1.12.12

De quantas formas podemos morrer?




Morrer por acidente
Uma tragédia. A maior de todas. Seja lá qual for a natureza do acidente.
Ninguém está à espera. Dá-se uma mudança de um segundo para o outro. Vira-nos a vida do avesso.
Questionamos porquê.
Porque é que aconteceu com aquela pessoa de quem gostávamos?
Porquê daquela maneira trágica?
Porquê naquele momento?
E se a pessoa for jovem - ai se a pessoa for jovem - é uma injustiça ainda maior.
Achamos a vida injusta, comparamos com a existência de outras pessoas que já deviam ter morrido e ainda andam por cá e até chegamos a pensar em Deus, mesmo quem não acreditava nele, para termos quem culpar.
É a morte que traz mais sofrimento por ser repentina e inesperada.
Prazo de cicatrização: Nunca irá cicatrizar.


Morrer por doença
O choque da morte e do desaparecimento, que se tem numa morte por acidente, neste caso, acontece logo no momento em que se recebe a notícia da doença.
Ainda mal se conhece o percurso da história, já se projecta o final. Sofre-se logo mesmo sem ainda ter havido morte.
De certo modo trata-se de uma morte mais reconfortante que a morte por acidente. Não que seja bom mas dá-nos tempo para assimilar o desfecho. 
Há quem diga "nunca se está preparado" mas a verdade é que antever o que dali vai sair ajuda a alguma mentalização.
É verdade que pode mudar as circunstâncias do sofrimento o tipo de doença que a pessoa tem. Se esta foi incapacitante durante todo o tempo até morrer ou se piorou apenas numa fase final; Se se perspectivou sempre uma hipótese de cura ou não; Se a doença afectava apenas o corpo, a mente, ou ambos.
Uma coisa é certa, quase sempre quem vai morrer da doença é quem mais alegria tem em viver, mesmo sabendo que o seu fim está já ali. Já para terceiros, piora a cada dia que passa e melhora quando a morte chega.
Prazo de cicatrização: Muito variável e podia ser longamente discutido. Se for cônjuge, será até encontrar novo/a parceiro/a. Se for mãe/pai/filho, nunca irá cicatrizar. Se for patrão, até agradece já não ter um funcionário de baixa e a receber um vencimento: a cicatrização é imediata.


Morrer por suicídio
A morte que mais me apoquenta.
Esta morte tem uma pergunta por trás para a qual, não raras vezes, se desconhece a resposta.
O mistério desta morte torna-a ainda mais sombria.
Porque é que se matou?
Muitas vezes, antevendo a resposta, prefere-se nem formular a pergunta ou aprofundar o assunto. 
É uma morte que dói mais a quem morreu do que a quem fica (ao contrário de todas as outras) porque, quem se suicida, já se sente morto há muito tempo.
Há uma agonia prolongada no tempo até ao momento da libertação que vem com a morte.
Neste caso, os ente queridos que cá ficam, acabam a sofrer mais com as razões que levaram ao suicídio do que com a morte propriamente dita. Apenas no momento da morte começam a construir o cenário que levou até ela. Apenas naquele momento percebem que havia um sofrimento que não viam. 
Também neste tipo de morte é onde ocorrem os maiores casos de criatividade. Nalguns casos, a criatividade apenas agudiza o sofrimento dos que ficam e aumenta o número de perguntas na cabeça. Porquê acabar consigo de modo tão violento?
Prazo de cicatrização: Funciona como numa morte por acidente. Ninguém espera (mesmo que os sinais andem a ser emitidos há muito tempo) e por isso a cicatrização pode nunca ocorrer.


Morrer por homicídio
É a morte mais chata.
A pessoa não tem qualquer interferência no assunto. Não pediu, não fez por ter. 
Aqui, alguém de fora tem uma interferência maior que o próprio. Numa morte por acidente, apesar de poderem haver terceiros envolvidos, muitas vezes estão-no contra a sua vontade, enquanto que na morte por homicídio alguém se quis envolver por sua livre vontade.
É a morte que causa mais revolta nos que cá ficam. Também é uma boa morte para questionar a existência de Deus. Não raras vezes alimenta sentimentos de vingança e torna a vida turva das pessoas que cá ficam. A morte por homicídio costuma tornar-se popular nos meios de comunicação social e ainda é a única que coloca os humanos em pé de igualdade com Deus: decidimos quem deve morrer em vez Dele e por isso gostamos de fazer um circo mediático disso.
Prazo de cicatrização: Apesar de não ser total, a ferida fecha em grande parte com a descoberta e penalização de um culpado. Além disso as pessoas andam ocupadas em alimentar ódios e esquecem-se dos choros.


Morrer por fome
Ainda acontece, não se pense que não.
Acontece com as crianças em África e acontece com os velhos e novos por cá.
É a morte que mostra a falta de zelo entre os seres humanos. Ninguém que esteja ao nosso lado devia morrer de fome porque, afinal, se está ao nosso lado estamos a vê-la e, se estamos a vê-la, devíamos auxiliá-la.
Era, não era?
Aqui os homens não fazem de Deus mas gozam com ele: Mandaste comidinha para todos não foi? Mas nós gostamos de brincar às escondidas e só quem for mais esperto é que come.
Como é uma morte abstracta para nós, porque não vemos ninguém morrer de fome diante dos nossos olhos, tendemos a ignorar esta morte. É a morte dos países pobrezinhos e por isso não sabemos o que é.
É a morte mais irónica e, curiosamente, a que menos faz sofrer terceiros. Por egoísmo. Por falta de amor. Por não acontecer com ente queridos mas com pessoas anónimas. E a morte de quem não conhecemos nunca nos fez sofrer. 
Prazo de cicatrização: Cica...quê? Mas alguém morre de fome?


Morrer por amor
Ninguém morre por amor.
Não no sentido físico, diria eu..
Em tempos li um artigo científico de referia que não se morria propriamente de amor mas podia morrer-se por questões ou circunstâncias relacionadas com o amor.
Relatava-se nesse artigo o caso de um casal de idosos em que o marido morreu primeiro. Ainda se amavam muito apesar da idade avançada. Após a morte do marido, a mulher começou a ficar cada vez mais debilitada. Após análises e exames verificou-se que não se tratava apenas de uma questão de idade avançada e ausência das rotinas instituídas entre o casal. O coração, o fígado, os rins, e outros órgãos vitais começaram a perder as suas funções e a "morrer" dentro da mulher. Na conclusão da investigação acreditava-se que esta morte ocorreu por desgosto de amor.
Prazo de cicatrização: No dia em que se morre.


Morrer por morte natural
Isso não existe.



2 comentários:

  1. e morrer no bem bom?

    pode ficar no grupo dos acidentes mas não traz consigo a mesma carga de dor, causa até alguma inveja aos que ficaram para ver.

    Critica-se Deus pela deferência para com o morto.

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  2. Não existe "morrer por morte natural"? Por quê?

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