Post com delay... eu sei.
Dia 29 de Setembro de 2013
urna | s. f.
ur·na
(latim urna, -ae, vaso para água)
(latim urna, -ae, vaso para água)
substantivo feminino
1. Vaso, de forma
variável, que servia aos Antigos para guardar as cinzas dos mortos, recolher água
das fontes, etc.
2. Vaso que tem a
forma de uma urna antiga.
3. Caixão para defunto.
4. Vaso ou objecto
análogo em que se recolhem as listas do voto, num acto eleitoral, ou os números
de uma lotaria, rifa, etc.
5. [Botânica] [Botânica] Espécie de cápsula coberta por um opérculo.
6. [Popular] [Popular] Chapéu alto.
"urna", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
3. Caixão para defunto.
Há qualquer coisa de desconcertante em fazer parte do momento em que nos confrontamos com a morte. Há anos que tento descortinar o porquê de sentir tantas emoções num velório, num funeral, mas esbarro sempre num emaranhado mental. Finalmente hoje, pensando em definitivo no assunto, lá consegui perceber porquê: porque se trata de um acto ritualizado.
A pessoa sai de casa preparada para se entristecer. Entra num cemitério que desclassifica, imediatamente, como local a evitar e passa a encarar como local inevitável. Olha para o número avassalador de campas e procura em volta de qual se encontram pessoas chorosas, e saberá que é a essa que se deve dirigir. Há-de encontrar sempre uma cara conhecida nas campas que percorre até lá. Cruza os olhos baixos com alguém que chora. Esconde-se atrás de alguém na esperança de passar despercebido. Olha dez vezes para os nomes escritos nas lápides. Lê-os novamente para se capacitar que aquilo é real. Olha em volta para ver se ninguém topou que chegou atrasado. Fecha o casaco preto para não se ver a camisola vermelha por baixo. (Toda a gente sabe que o luto se faz de preto. Não de branco, nem de vermelho. É, curiosamente, instintivo). Ajeita o ramo de flores. Dirige-se à urna. Ao colocar as flores na urna sente que aquela fracção de segundo é congelada. Talvez espere que registem aquele momento. Durante um ou dois segundos suspende as flores sobre a urna para poder ser visto e para verem que não se esqueceu de se despedir. Despede-se sempre de quem já está morto. Nunca antes. Sai-se do cemitério ainda com o andar trôpego de quem sabe que viu o morto pela última vez e nunca, mas nunca, mais voltará a ver. Lá fora, acenos e cumprimentos a caras conhecidas. Conhece-se sempre alguém. Indaga-se sobre o que fazem algumas pessoas ali. O que terão pensado. Fazem-se juízos de valores. Critica-se mesmo sem saber a relação emocional com o morto: "Terão sido amigos? Ou familiares? Amigos, porquê? Onde se terão conhecido? E familiares? Inconcebível. Familiares? Terá sido tão desgraçado em vida para merecer familiares assim? Porquê?".
Volta-se para casa com a impaciência de não se saber se o seu funeral, um dia, também será assim. Se estará para breve. Se o gesto simpático de participar desta despedida lhe atenua os pecados cometidos ou se, pelo contrário, não serviu para coisa nenhuma. Todos queremos pensar que estamos salvos. Ninguém morre muito ansioso por ir para ao inferno. E quem não acredita numa vida para além da morte nem se dá ao trabalho de comparecer num funeral. Despedirmo-nos de um morto, também é, de certo modo, um acto de fé.
4. Vaso ou objecto análogo em que se recolhem as listas do voto, num acto eleitoral.
Há qualquer coisa de emocionante em fazer parte de uma decisão importante como votar. Há anos que tento descortinar o porquê de sentir esta emoção em dia de eleições mas esbarro sempre num emaranhado mental. Finalmente hoje, pensando em definitivo no assunto, lá consegui perceber porquê: porque se trata de um acto ritualizado.
A pessoa sai de casa para votar. Entra na escola que desclassifica, imediatamente, como local de ensino e passa a encarar como local de voto. Olha para o seu número de eleitor duzentas e trinta e cinco vezes e vê a mesa a que se deve dirigir. Há-de encontrar sempre uma cara conhecida na mesa em que vota. Entrega os documentos de identificação em trocas de uns boletins. Esconde-se atrás de um biombo. Olha dez vezes para os nomes escritos nos boletins. Lê novamente para não dar um voto irreflectido ao inimigo. Olha em volta para ver se ninguém topou se a cruz foi desenhada mais acima ou mais abaixo no boletim. Dobra os boletins em quadrados perfeitos. (Toda a gente sabe que não se dobram apenas ao meio, mas também não se dobram em seis. É, curiosamente, instintivo). Junta os papelinhos. Dirige-se à urna. Ao colocar os boletins na ranhura da urna sente que aquela fracção de segundo é congelada. Talvez espere que registem aquele momento. Como os que vimos as pessoas famosas terem direito nos meios de comunicação social. Durante um ou dois segundos suspendem os boletins sobre a ranhura da urna para poderem ser fotografadas e filmadas. Sorri-se sempre para quem está na mesa de voto. Despede-se com um "bom dia". Sai da sala ainda com o andar trôpego de quem acabou de tomar uma grande decisão. Lá fora, acenos e cumprimentos a caras conhecidas. Conhece-se sempre alguém. Indaga-se sobre em quem aquelas pessoas terão votado. Fazem-se juízos de valores. Critica-se mesmo sem saber onde foram postas as cruzes: "Terão votado em branco? Ou com voto nulo? Em branco, porquê? Não sabe em quem votar? Não tem opinião própria? E Nulo? Inconcebível. Nulo? Terá desenhado coisas impróprias no boletim? Ou desenhado uma cruz em todas as opções? Para quê? Qual o propósito?".
Volta-se para casa com a impaciência de se saber se o voto foi ao encontro de uma maioria ou se, pelo contrário, não serviu para coisa nenhuma. Todos queremos fazer parte da maioria. Todos queremos pensar que estamos enturmados. Ninguém vai votar muito ansioso por ficar em último lugar. Quem não acredita nem comparece. Votar, também é, de certo modo, um acto de fé.
A pessoa sai de casa para votar. Entra na escola que desclassifica, imediatamente, como local de ensino e passa a encarar como local de voto. Olha para o seu número de eleitor duzentas e trinta e cinco vezes e vê a mesa a que se deve dirigir. Há-de encontrar sempre uma cara conhecida na mesa em que vota. Entrega os documentos de identificação em trocas de uns boletins. Esconde-se atrás de um biombo. Olha dez vezes para os nomes escritos nos boletins. Lê novamente para não dar um voto irreflectido ao inimigo. Olha em volta para ver se ninguém topou se a cruz foi desenhada mais acima ou mais abaixo no boletim. Dobra os boletins em quadrados perfeitos. (Toda a gente sabe que não se dobram apenas ao meio, mas também não se dobram em seis. É, curiosamente, instintivo). Junta os papelinhos. Dirige-se à urna. Ao colocar os boletins na ranhura da urna sente que aquela fracção de segundo é congelada. Talvez espere que registem aquele momento. Como os que vimos as pessoas famosas terem direito nos meios de comunicação social. Durante um ou dois segundos suspendem os boletins sobre a ranhura da urna para poderem ser fotografadas e filmadas. Sorri-se sempre para quem está na mesa de voto. Despede-se com um "bom dia". Sai da sala ainda com o andar trôpego de quem acabou de tomar uma grande decisão. Lá fora, acenos e cumprimentos a caras conhecidas. Conhece-se sempre alguém. Indaga-se sobre em quem aquelas pessoas terão votado. Fazem-se juízos de valores. Critica-se mesmo sem saber onde foram postas as cruzes: "Terão votado em branco? Ou com voto nulo? Em branco, porquê? Não sabe em quem votar? Não tem opinião própria? E Nulo? Inconcebível. Nulo? Terá desenhado coisas impróprias no boletim? Ou desenhado uma cruz em todas as opções? Para quê? Qual o propósito?".
Volta-se para casa com a impaciência de se saber se o voto foi ao encontro de uma maioria ou se, pelo contrário, não serviu para coisa nenhuma. Todos queremos fazer parte da maioria. Todos queremos pensar que estamos enturmados. Ninguém vai votar muito ansioso por ficar em último lugar. Quem não acredita nem comparece. Votar, também é, de certo modo, um acto de fé.
a analogia adequa-se. o texto ficou excelente. (mais um).
ResponderEliminar(mas não nego que o tipo/tamanho de letra não facilitam a leitura :b ou eu estou a ficar velha e pitosga :)
Acho que não estás pitosga porque eu também já tinha detectado esse problema.
EliminarDepende dos computadores mas é verdade que se vê muito mal (desde que formatei o blog que perdi o anterior tamanho de letra).
Vou ter de resolver este problema em breve ;)