27.2.13

Sobre os animais

Fotografia de Tim Flach



Realmente, se há coisa em que me sinto uma merda, é no que toca ao assunto dos direitos dos animais.

Por estes dias, a propósito da notícia de um fulano do governo ter sido recebido numa qualquer faculdade, por uns indivíduos exibindo um coelho enforcado, acabei por entrar numa discussão idiota. Eu achava que estava só a conversar com uma pessoa. A emitir opiniões. A ouvir opiniões. Porque eu também sou pela defesa dos animais mas não sou é fundamentalista, nem autista, nem ceguinha, para não entender que o que se passou foi um acto de manifestação e contestação sabemos todos muito bem porquê. 
E eu nem sou de teimar com discussões que nem levam a lado nenhum mas, enfim, creio que também tenho direito à minha opinião.
Tentava eu defender a ideia de que um coelho é um coelho. Nós comemos coelhos, certo? Não era um cão, certo? Nós não comemos cães, certo? Tentava explicar que isso para mim faz toda a diferença.
Mas depois não há qualquer hipótese em manter uma conversa sensata quando os defensores dos animais se tornam fundamentalistas. Por mais que se queira, não dão qualquer chance. A razão só pode estar sempre do lado deles. E depois vem aquela ladainha de que "assim se vê o estado em que está este país" e de que "somos um povo ignorante" e blá blá blá...
E eu só posso pensar: somos sim senhor! um país de gente ignorante e tonta por não conseguirem dar o salto e saírem do modo vamos-lá-falar-mal-de-tudo.
Este prazer que temos em nos mandar abaixo não é a minha onda. Não alinho. Ponto.
E nisto, em menos de nada, estava uma multidão a crucificar-me por eu não entrar no esquema fácil de criticar tudo gratuitamente e por não me indignar com o choque do coelho enforcado.
Desculpem-me os fundamentalistas da defesa dos direitos dos animais!
Sim, fundamentalistas. São fundamentalistas. São. São. São. Olhem para mim agora a teimar!
Não vejo estes fundamentalismos em causas contra os maus tratos humanos, não vejo estes fundamentalismos para defender a nossa economia, não vejo estes fundamentalismos para dar educação às crianças que estão cada vez mais ignorantes, iletradas e mal-educadas.
Mas isso é outro assunto, não é assim?

Agora vou ter de puxar da conversa do costume em minha defesa: eu tenho cães, já tive gatos, hamsters, piriquitos, bichos da seda, peixes, um pombo e até, pasmem-se... um coelho.
Devo dizer que apesar de terem sido tratados como animais domésticos, o pombo e o coelho foram parar à panela. Foram sim senhor! Um belo de um arroz de coelho e uma rica canja. Sim, naquele tempo em que os vizinhos ainda davam coisas uns aos outros. Coisas importantes como alimentos. No tempo em que a comida era um bem importante. Em que não se estragava comida. Em que se comiam restos do dia anterior porque não há mal nenhum nisso. Naquele tempo em que as mãezinha metiam regras em casa e na educação dos miúdos e não tinham medo de traumatizar as crianças ao obrigá-las a comer a sopa ou com uma conversa adulta para explicar que "alguns animais servem para comermos".
Também por isso aprendi a respeitar os animais.
Eu sei o valor deles e o valor que eles têm na nossa vida.
Aprendi que servem para nos alimentar e não só. Alimentam-nos de várias maneiras. Os outros animais que tive serviram para me alimentar de conhecimento, de sensibilidade, de respeito vida, pela amizade, pela lealdade. Com os meus animais de estimação vi o milagre da procriação e do nascimento. Dos afectos entre animais e entre os homens e os animais. Sou a primeira a defender o convívio entre animais e crianças desde cedo.
Os meus cães foram todos trazidos da rua. Não os comprei por uma fortuna. Não escolhi o "modelo" por capricho. Nunca os tratei apenas como cães mas como família. Mas sei que são cães. Não dormem nas nossas camas. Não comem connosco à mesa e não ditam regras lá em casa.
Mas são cães tratados melhor que muita gente nesta vida. Asseguro que gasto mais dinheiro em veterinário com eles do que em médicos comigo.
Creio que este respeito se faz, também, deste distanciamento. Eles e nós sabemos os nossos lugares e pronto.

Mas eu também sei distinguir as coisas.
Sei que na nossa cultura e na nossa sociedade não se comem cães e achamo-lo absurdo, e também sei que achamos esquisito na Índia não comerem vacas por as considerarem sagradas.
Também sei que na nossa cultura ocidental os coelhos fazem parte da nossa cadeia alimentar. Que estão à venda em talhos para quem os quiser ver, esfolados, como os porcos, as vacas, as galinhas... Também sei que a hipocrisia nos faz esquecer que são animais, se eles já estiverem todos retalhados em bocados numa vitrine. Se estiverem à peças até nos esquecemos do nome que têm. Passam a ser salsichas e hamburgueres, filet mignons e magrets, carrets e foies grás. Anónimos. Sem focinho, nem habitat.
No fundo, choca-nos ver um coelho pendurado pelo pescoço por sermos confrontados connosco. Por nos doer a nós. Não tem nada a ver com o animal. Temos é medo de nós. De pensarmos nos actos fantásticos e imprevisíveis do ser humano.
Fomos presas, fomos predadores, somos caçadores.
Sem choque, sem falsos moralismos: nós somos, por natureza,  carnívoros.

(E não se preocupem que o animal da foto tem só um corte de pêlo à maneira. Ninguém o tratou mal)






26.2.13

Poema dos falhados





Condenaram-se os falhados por trabalhar,
Por trabalharem para um patrão que lhes falhou.
Não se entendia o que havia para ganhar,
Passaram-se dias a praguejar,
E assim o desemprego lá chegou. 

Envergonharam-se os falhados que são felizes,
Proibida que é a felicidade de quem nunca chorou.
Castigaram-se os tolos risonhos,
Premiou-se a tristeza dos tristonhos,
Virou-se costas a quem algum dia gracejou.

Censurou-se o amor de dois falhados,
Falhados que andavam os princípios do amor.
Arrumaram-se os falhados a um canto,
Ignorou-se-lhes o seu encanto,
Nunca mais um falhado se enamorou.

Gozaram-se os falhados que são honestos,
Por não saberem intrujar.
Ensinou-se-lhes outra cartilha,
Juntaram-se mais cães à matilha,
Fez-se uma festa por ser mais um a roubar.

Contrariam-se os doentes que falharam,
Negado que lhes é o viver.
Retirou-se-lhes o oxigénio,
Empurram-se-lhes as carcaças para o cemitério,
Deu-se graças por finalmente alguém morrer. 






22.2.13

Apetece-me dizer...





Apetece-me dizer:



- À minha inimiga de estimação:

"Aprendi muitas coisas contigo. Sobretudo que a tua pior ameaça não sou eu: és tu."

- À minha amiga que tem um amante:

"Não sejas tola. Meio-mundo sabe!"

- À outra amiga que tem um amante:

"Gosto tanto de ti que não te consigo condenar."

- À secretária do Hospital onde vou:

"Não seja burra. Não seja antipática. Não finja que não me está a ver."

- Aos meus colegas de trabalho:

"Sou o melhor que vos aconteceu. Agradeçam-me."

- Aos meus afilhados:

"Podem bem vir a ser os meus únicos herdeiros. Tratem-me bem."


- À minha avó:
"Onde está agora?"

- Ao meu avô:
"Falhei. Desculpe-me."

- À minha melhor amiga de infância:

"Foi contigo que aprendi a guardar segredos. Ainda hoje guardo os teus."


- Ao meu pai:
"Por favor................ Faz-me a surpresa de seres rico!"


- Às minhas cadelas (daquelas que ladram mesmo e dão ao rabo):
"Parem de comer. Parem de ser maricas. Parem de me puxar malhas nos collants."

- À minha mãe:

"Adorei que me tivesses dado liberdade para ser desbocada."

- Ao professor de Filosofia do liceu:

"Tive uma paixoneta por si. Por ser feio mas inteligente."

- Ao miúdo a quem bati na escola primária:

"Ainda hoje és estúpido. Não me arrependo."

- À taróloga:

"Devolva-me o dinheiro."

- Ao gajo que me disse que eu devia ter vergonha de ser gorda:

"Vai-te foder. Eu pelo menos não tenho uma pila pequena."

- Ao meu "patrão":

"Emigra tu. Cabrão."




Pelo mar adentro

Fotografia de Jon Gavin e Texto de Dias Cães para Black Velvet



Foi-se pelo mar adentro,
Como sombras que falecem,
Por entre almas que se perderam.
Foi-se pelo mar adentro,
Como uma dor que não acaba.
Como um tormento e um enfado,
Foi-se pelo mar adentro.
Perdeu-se num desalento.

Caíram lágrimas de sofrimento,
Chorou-se a vida e o lamento.
Sofreram-se  perguntas e indignações,
Aramaram-se teias de multidões.
Cortaram-se pulsos,
Tentaram-se segredos,
Foi-se pelo mar adentro.
Morreram-se-lhe os medos.

O chão dobrou-se sobre os pés.
Abriu-se um fosso sobre o mar.
O horizonte findou-se num despertar.
Não mais se avistou um revés.
Foi-se pelo mar adentro.
Morreu sem lamentar.
Entregou-se mar adentro.
Morreu sem esperar.

Mergulhou asas e pensamentos.
Submergiu-se num ritmo lento.
Despediu-se sem ninguém ver.
Não viveu nem quis viver.
Afundou-se num hino frio.
Foi-se morta pelo mar adentro.
Não lutou nem se ergueu.
Entregou-se e não venceu.






19.2.13

Às prenhas



Houve um baby boom na blogosfera.
Sim, estou que nem posso de inveja de vocês.
Sua malditas mulheres, lindas, inteligentes e férteis.
Sim, também queria estar prenha até à boca.
Queria entender esse fenómeno de engravidar em grupo.
Compreender porque é que as hormonas femininas funcionam em comunidade.
Perceber porque é que uma espirra e as outras emprenham.
Todas emprenham menos eu.
Malditos anticorpos à fertilidade.
Gostava de estar prenha de verdade.
Estar de bucho cheio de um qualquer amor blogueiro.
Justificar a felicidade que não me existe no rosto.
Convencer alguém que não é apenas ar o que tenho na barriga mas sim amor com quatro membros.
Queria ver-me um dia com uma barriga justificada.
Não ser sempre, e só, a gorda.
Nunca vou ter aquele brilho nos olhos que toda a gente vos diz terem.
Não vou envergar lindas roupas de grávida e fazer publicidade às marcas.
Nunca me vou poder queixar das noites em branco nem dos dias de sonho.
Já lá vai a possibilidade de poder fazer um coração com as mãos sobre o umbigo.
Bolas! Bolas! Não vou poder enaltecer as virtudes do homem que me inseminou.
Era bonito estar prenha ao mesmo tempo que todas vós para podermos desovar todas no mesmo dia.
Seria épico criar o feriado nacional da grávida blogger.
Não vou poder passar meses a escolher nomes de menino e de menina dignos de novela brasileira.
Ou então fingir que só vou escolher o nome quando o olhar nos olhos e o conhecer.
Não vou comprar berços, nem penicos, nem fraldas nem chuchas com muita pena minha.
Das minhas mamas não irá jorrar leite.
Lamento tanto não fazer uma barriga de gesso para meter no sótão quando o bebé tiver uns vinte anos.
Estou, honestamente, a morrer de inveja por fora e por dentro. Sobretudo por dentro.
Definho, de verdade, porque a alegria das imensas prenhas não chega para me fecundar o útero.






18.2.13

Onde nos perdemos?





Nunca se pode dizer que nascemos iguais a nós. Nem que morremos iguais a nós mesmos. Questiono-me, aliás, sobre o que é morrer igual a nós mesmos. Como será? O que é uma pessoa morrer exactamente igual à pessoa que nasce quando, nesse intervalo de tempo a que se chama de vida, damos lugar a tantas pessoas dentro de nós. Quando dentro desta vida existem tantas vidas.
Nascemos sem planos, crescemos com os planos que os outros traçam para nós, vivemos a construir os nossos próprios caminhos. A traçar linhas que não sabemos onde vão dar. A descobrir-lhes o destino. A perceber que o que imaginámos nem sempre é aquilo que acabamos por ter.
Acabamos a desejar que os planos que traçaram para nós se realizem mais do que aqueles que pensámos ser os melhores porque, afinal, quem nos concebe sonha sempre mais alto. Quer sempre melhor. Sabe sempre o que realmente é o certo e devido. Aquilo de que se faz uma vida.
Lá pelo caminho deste longo processo que é viver, vamos definhando. Perdemos as forças. A coragem. Achamos, em algum momento, que nada vale a pena. Que está tudo bem assim. Queixamo-nos para dentro. Reclamamos, em silêncio, que a vida não nos deu o que queríamos. Que lutámos por ter mais.
Mas fica tudo cá dentro. Porque sabemos que não é verdade.
Um dia, em mais um no meio da confusão de dias que leva uma vida, paramos para olhar para trás para vermos quem éramos. Relembramos os sonhos, os projectos, os desejos, as vontades e vimos como não se cumpriram, como desistimos deles, como deixaram de fazer sentido. Arrependemo-nos de algumas coisas. Orgulhamo-nos de poucas. Vemos que queríamos ter sido mais. Olhamos para trás e não nos reconhecemos.
Procuramos as pessoas que somos hoje em imagens antigas com crianças que já não conhecemos. Tentamos ver-nos nessas imagens, olhar fundo nos olhos, reconhecer um gesto, uma expressão e vimos, apenas, uma sombra daquilo que somos hoje.
A criança que havia dentro de nós, findou-se.
Não sabemos bem o que nos poderia passar pela cabeça naquela época, se os sonhos iam além de ter bonecas e chocolates. Se mais tarde apenas queríamos casar e ter filhos. Se em algum momento apenas nos quisemos divertir e conhecer o mundo.
Esquecemos se isso tudo nos passou pela cabeça ou se são desejos que agora se formam para querer compensar o vazio em que se vive.
Não conseguimos, realmente, saber o que se passava nas nossas cabeças na época das fotografias coloridas e dos cortes de cabelo bizarros. Sabemos apenas que nascemos assim mas não vamos morrer aquelas pessoas. Perdemo-nos ou renascemos algures entre uma coisa e outra, em tempo incerto. Não saberemos nunca onde foi.

Não morrerei igual ao que nasci mas gostava de um dia voltar a encontrar-me com a criança que fui  e dizer-lhe que o caminho se faz apenas de escolhas. Das nossas e não das escolhas dos outros. Ou estaríamos vivendo a vida dos outros e não a nossa.

Não é o que acontece tantas vezes?







13.2.13

Dêem-me tau-taus que eu gosto!





Sou pessoa para não perceber nada do Sistema Nacional de Saúde, nem se o serviço de saúde público é melhor que o privado, nem se faço melhor em ir para as urgências no privado ou no público.
Eu sou pessoa para ir onde é bom, bonito e barato. 
Nos tempos em que não tinha seguro de saúde ia, como é evidente, aos hospitais e centros de saúde daqueles tão públicos como casas-de-banho de jardim mas desde que comecei a pagar um seguro, naturalmente, que faço por usufruir das suas vantagens. Passei a recorrer ao sector privado.
Primeiro sentia-me um bocado snob-ó-parola por ser uma pindérica sem tostão que entrava pelo hospital privado adentro como se tivesse uns quinhentos euros para largar por uma consulta às unhas dos pés mas, desde que as taxas moderadoras no serviço público dispararam ridiculamente (ao ponto de ser mais barato ter um seguro e frequentar o privado) deixei-me de pudores e pesos de consciência.

Hoje lá fui eu ao Sr. Hospital Privado cá do burgo para um consulta que tinha marcada para as 11:40. Como rapariga que gosta de cumprir religiosamente os horários, às 11:40 lá estava eu.
Primeiro passo: tirar uma senha com um número só para avisar que estou presente.
Pois esperei, pois lá me chamaram, pois lá me disseram que não era ali que me tinha de dirigir.
Pois que já lá fui uma dúzia de vezes e é sempre no mesmo sítio. Pois que sei que é impensável perguntar o que quer que seja sem ter uma senha na mão.
Lá fui para onde devia. 
Segundo passo: tirar outra senha. Não, a anterior já não servia.
Tinha onze pessoas à minha frente (só para avisarem que já chegaram) e até pensei que estava no meu dia de sorte. No mês passado só para ir mostrar os olhinhos tinha trinta à minha frente.
Terceiro passo: esperar.
E pronto, já não há quarto passo porque dali em diante foi só o que fiz.
A consulta marcada para as 11:40 aconteceu duas horas depois.

Duas horas numa sala de espera de um hospital dá, qualquer coisa, como dois  volumes dos Lusíadas de mau enredo. São histórias sem fim para contar aos netinhos.
Enquanto mais de vinte pessoas olhavam vidradas para um painel de números luminosos vermelhos (qual bingo!) à espera do seu número, seis auxiliares/administrativos/inúteis/desempregados em potência... conversavam animadamente entre eles sem que se ouvisse um "pip"para chamar um numerozinho ou um nome para ser atendido.
Toda a minha gente estava bastante divertida! Que bom! Haja alegria no trabalho.
Entretanto, os que pareciam mortos, começaram a sair das trevas e a questionar a demora nas chamadas e nas consultas.
Oh minha gente, mas que aborrecidos. 
Então vai-se interromper o recreio dos funcionários de um hospital privado?
Ganhem lá tacto, por favor.

A primeira indignada tinha consulta para a mesma especialidade que eu... às 10:30.
Disse: "Eu desisto da consulta. Já não aguento mais isto".
A senhora de farda responde: "Então deixe-me fazer a nota de devolução do valor da consulta".
A paciente: "Deixe estar. Prefiro perder o dinheiro do que estar mais um minuto à espera. Sou diabética, já devia ter comido e já nem estou a ver focado".
A senhora querida que recebe um ordenado: "Espero só mais um bocado que já só tem duas pessoas à sua frente".

Eu (em pensamento): Foda-se!

O segundo revoltado silêncioso, chegou com cuidado ao balcão e informa que já ali está desde as 10:50 para a consulta... há uma hora, portanto.
A senhora fofinha que vai para ali passar tempo atrás de uma recepção: "Pois, tem de ter paciencia. Isto está atrasado".
Ora bemmmmmm... O que o coitado não sabe é que lhe passaram à frente. Apesar da senhora da recepção nem ter feito contas de cabeça, chamou duas pessoas com horas marcadas depois do homem.
Cala-te boca que nem vale a pena iniciar um motim.

O terceiro a chegar-se à frente queria saber, tão simplesmente se tinha tempo de ir almoçar.
A epítome das recepcionistas responde: "Olhe que não sei se devia. Só tem oito pessoas à frente".
Ouvi alguém ao fundo da sala a desabafar: "Até dá para ir jantar".
Palmas para esta pessoa que era a única que estava a ver o mesmo filme que eu.

Entretanto, muda tudo.
São 13:00 em ponto.
Aquelas pessoas que cirandavam por ali de fardas sem autoridade tinham mais que fazer: almoçar.
Desapareceram todos num ápice.
Curioso como para irem almoçar são tão rigorosos com os horários.
(Conta até 10... respira fundo... e finge que vieste só ver o Você na Tv e a Nova Gente de Agosto).

Quarta pessoa a chegar-se à frente: Eu.
Não me dirigi à fofinha de meia-idade.
Dirigi-me ao rapazola com problemas de identidade sexual que me pareceu, de longe, melhor ouvinte para uma miúda de unhas pintadas como eu.
Eu: "Olhe, já sei que não vale a pena perguntar quantas pessoas tenho à frente porque é um grande segredo, venho apenas avisar que me está a dar um fanico de todo o tamanho, porque os meus diabetes já deviam ter almoçado há uma hora. Vou comer e já venho".
Querido/a: "Sim, sim, pode ir ao nosso bar lá em baixo".

Cheguei ao bar.
Opções para me alimentar: um donut, um mil-folhas, empadas.
Ahhhhhh, pois, isto é um bar de uma escola secundária.
Eu (em pensamento): Foda-se!

Voltei à sala de espera e em menos de nada sou, finalmente, chamada para a consulta.
Entrei e pensei que ainda estávamos numa de brincar ao Carnaval.
A médica apresentava-se de rolos na cabeça... e descalça...
Sim... isso mesmo.
Um blazer vermelho de botões dourados com um corte absolutamente anos 90 e maquilhagem aplicada por um doente terminal com Parkinson.
Tudo em bom.
Tudo e muito, só para mim.

Estive dois minutos na consulta.
Saí, fui à recepção marcar mais umas cenas e nova consulta e pedi, pelo amor de Deus, para não me aldrabarem novamente com as horas das consultas. 
Ao que a nova senhora recepcionista me diz: "Não se preocupe, às vezes, a Doutora chega a horas".

Eu (em pensamento): Foda-se!

Imagino se ainda perdesse tempo em casa a tirar os rolos, a calçar-se e a tomar os comprimidos para aquele estalo que tem na tola.


O resumo disto, cá para o meu raciocínio, é simples.
Lamento ter deixado de ir ao serviço público (que por estas horas anda às moscas) para ir parar a uma carruagem sobrelotada de vagabundagem algures na Índia.
Mas alguém fez com que isto fosse assim e não foi, de certeza, o gajo em quem votei.
Posso sempre voltar ao público?
Posso.
No dia em que se deixarem de merdas e me devolverem a vida e a liberdade que tinha há não mais que dois anos.
Até lá, é brincar aos pobres em hospitais de ricos.




8.2.13

Desiste de ti mais uma vez



Por vezes nascem começos.
Outras vezes morrem fins.
Firmam-se virtuosismos de alma.
Desmascaram-se fraquezas de corpo.
Engana-se a verdade.
Desiste-se das mentiras da boca.
Mostra-se o medo com os olhos.
Chora-se para dentro.
Grita-se sem pulmões.
Amarga-se a voz.

Por entre dias em que em tudo se crê.
Por entre noites onde se matam os sonhos.
Percebem-se as ilusões.
Aterram-se nelas de joelhos.
Arfa-se a dor do não-entender.
Cede-se.
E cede-se outra vez.
Os ombros caem de rendição.
O peito aquieta a pulsação.
A boca seca sem sabor.

Pulula a dor sozinha de quem se entregou.
Os olhos esvaziam-se do passado.
O passado desiste de o ser.
Acabam-se as memórias claras.
Abre-se os olhos de aceitação.
Recosta-se a nuca no pescoço.
Olha-se o céu.
Aceita-se o que se é.
A vida segue sem encanto.
Aquele encanto que lá se findou.

Tem-se vontade de desaparecer.
Desaparece-se por uns tempos.
Sente-se falta mas esquece-se.
Finge-se que se é duro.
Finge-se quase até acreditar.
Morre-se a tentar.
Mas tenta-se mais uma vez.
Sabe-se que nem vale a pena forçar.
Mas desiste-se mais uma vez.
Desiste de ti só mais uma vez.


À T.



7.2.13

Merci beaucoup et bonne nuit




Parece que o "Bang Bang" fez lembrar a Nancy Sinatra a muito boa gente.
Pois que não vos falte nada.


E um grande "Merci beaucoup et bonne nuit" para todos, já dizia a querida da Nancy.





1... 2... Bang Bang...



Em menos de um tirinho passaram dois anos.

Nem chegaram a duzentos posts...
Pouco mais de cento e trinta seguidores...
Umas cinquenta e seis mil visitas...



E agora? O que raio é suposto fazer?



(Eu e os meus saudosismos patetas... Vou gostar sempre de relembrar o primeiro post)