30.1.15

Esta coisa de se ser inteligente

Allan Grant


Quanto mais agarro em jornais, vejo televisão, vou à internet, e ouço outras pessoas a conversar, mais me convenço que sou uma incapacitada para falar de uma série de assuntos. De muitos assuntos até. De algum modo isso deixa-me constrangida e com aquele pequeno sentimento de que não sou suficientemente inteligente, suficientemente interessada, suficientemente culta, suficientemente integrada. E não vivo tranquila com isso. Não estou tranquila porque queria chegar a um maior número de pessoas dominando assuntos que lhes fossem caros e, sobretudo, ter conhecimento de todos os temas para saber como todas as pessoas cultas se sentem.
Há muito tempo que tenho esta consciência, há demasiado tempo que não consigo inverter isto. Por exemplo, em relação à música, se me perguntarem: "então pá, o que é que gostas de ouvir?" eu fico atrapalhada. Ou ficava. Nesta senda de ser cada vez mais eu, e de deixar de agradar aos outros, decidi que nunca mais iria falsear uma reacção minha e, por isso, actualmente reajo com um "não sei, não percebo nada de música". Noutras matérias não tenho mesmo receio de denunciar a minha ignorância e dizer que não conheço ou não percebi. A vida é mesmo assim, é impossível conhecer-se e saber-se tudo por mais que nos gostem de exigir isso.
Mas hoje, senti pontadas de aflição mais acentuadas por esta minha falta de conhecimentos sobre determinados assuntos relevantes.
Abri o jornal e lá estavam os assuntos do costume, acompanhados de quadros e tabelas e gráficos, tudo muito bem explicado, suponho, e eu, mesmo assim, continuava sem perceber nada.
Eu não me sinto confortável a falar de política. Ou de spreads e taxas de juros (nem sei se faz sentido juntar os dois na mesma frase). Não posso falar sobre os formulários do IRS porque não faço a mais pálida ideia de como são. 
Não percebo de gestão nem de economia e tenho sérias dificuldades em ler uma coluna de jornal que aborde o tema com gráficos e relatórios e opiniões de profissionais. Referências ao passado ou a outras situações análogas, são-me bastante difíceis de identificar e localizar.
Sinto-me, efetivamente, excluída do grupo de pessoas (que, suponho, seja enorme) que compreendem essas notícias.

Quando vejo a quantidade de temas que não domino e que, por força da minha curiosidade por querer conhecer todos os assuntos do mundo, sinto que não podia ser uma só pessoa. Estou tão longe de alcançar alguma perfeição intelectual que chego a pensar que seriam precisas muitas de mim para apreender tudo.

Onde é que esta conversa tinha começado mesmo?
Nisso... hoje sinto-me burra.


29.1.15

O céu podia esperar



O céu podia esperar
Por ti
Num dia de solenidade
Para as honras
Que merecias
Pela glória 
E pela saudade

O céu podia esperar
Muitas almas
desconcertadas
Mas um dia viu-te 
Chegar
E renegou 
As almas penadas

O céu podia esperar
Muitos choros
E Avés
Mas sentiu o que era
O orgulho
De quem te abraçou
E amou quem és

O céu podia esperar
Que se juntasse a ti
Quem ficou
Mas quis levar-te
Mais cedo
Deixou-me sem ti
Fiquei tão só



27.1.15

Encontros Emergentes




Quando nos cruzamos com um rosto do passado, qual é a primeira coisa em que pensamos?
No sentimento que lhe tínhamos?
Na companhia que agora temos?
De quão bem aparentados estamos?
Ou de quão bem parecido o outro está?
Pensamos em falar ou em desviar os olhos?

Não há saídas de emergência em encontros emergentes.
Não existem instruções nem regras de reacção.
Entre o olhar e desolhar, entre o embaraço e a excitação, onde fica a atitude correcta?

Creio que a história e o passado traçarão os impulsos.
Um amor mal resolvido fará evitar olhares.
Sangrará rancores dentro do peito.
Uma paixão não consumada fará os pés andarem em frente.
Procurando o que não tiveram.
Um amor que nos trouxe arrependimento far-nos-á fugir.
Fugir de nós, do passado e do reencontro.
E não é esse, precisamente, que queremos sempre reviver?
Não é esse que, nunca encontro inesperado, nos faz o peito arder?

Quando nos cruzamos com um rosto por quem nos apaixonámos no passado será possível fugirmos de nos apaixonarmos outra vez?

[por instantes, não.]

26.1.15

Monstros


Jumius Wong and Jack Wang


Dentro de ti está um monstro.
Mas não o vês.
Nasceu contigo mas dormiu este tempo todo.
No quente, dentro dessa moral intocável, dentro desse carácter vertical.
Dessa inquestionável atitude democrática.
Mas o monstro, que nasceu pequenino, sempre esteve aí.
Um dia, não se sabe quando, começou a crescer.
Talvez o tenhas soltado num dia de guerrilha genética.
Num daqueles dias em que chovia muito fora de ti e não sabias como te resguardar.
Esse monstro que guardavas dentro de ti terá sentido vontade de vir cá fora para te agasalhar.
E agasalhou.
Soube-te tão bem sentir esse escudo que nunca mais escondeste o monstro dentro de ti.
Ficou acordado, em sentinela, a ver quando te voltavam a atacar.
Mas o monstro, que não tinha sido amestrado, não sabia distinguir os alarmes.
Ora reagia a um soluço de palavras como a uma tempestade de poderes. 
Ora empunhava a retórica a um elogio como a um desaforo.
O monstro não sabia que existiam coisas que se diziam por bem e outras que se faziam por mal. E tu nunca o ensinaste.
Ocupado a olhar para o teu reflexo no espelho, sempre cheio de ti mesmo, nunca percebeste que o monstro que alimentavas se estava a virar contra ti. Nunca reparaste nas sombras que arrastavas.
As guerras travadas pelo monstro em teu nome começaram a crescer, a ser cada vez mais duras, mas tu, tu nunca paraste para o ensinar que há adversários com quem não se luta. 
Nunca lhe disseste que quem nos dá a razão à vida nunca pode ser dilacerado.
Ele lutava com o teu rosto, no teu corpo, ao comando da tua voz e tu, tão perdido a olhar para ti mesmo, nunca viste a dimensão das garras desse monstro a ferirem quem não devia.
A reagir a um sinal de alerta que não existia.

Um dia, num insuspeito dia, quando te dirigiste ao espelho para veres o que havia mudado em ti, não encontraste o que querias.
Tu já não eras tu, e o monstro que, até então, apenas tinha vivido dentro de ti, sugou-te o reflexo. Sugou-te as memórias, as lembranças boas, as pessoas que eram tuas. 
Tu já não existias nesse reflexo, mas apenas aquele monstro que começou pequenino dentro de ti e agora, afinal, eras tu.
Dentro de ti está um monstro.
E cá fora também.




23.1.15

Do arrependimento






Arrependo-me de tantas coisas que disse nesta vida.
Das coisas que falei nas horas certas.
Das coisas que não disse nos silêncios errados.
Tivesse eu falado as coisas erradas nos momentos devidos,
E o perdão ser-me-ia dado com compreensão.
Tivesse eu rompido os silêncios com as palavras erradas,
E poder-se-iam ter salvo mal-entendidos.

Arrependo-me de tantas coisas que fiz.
De ter feito o que tinha de fazer.
De ter deixado de fazer o que era o correcto.
Tivesse eu feito o que não devia,
E a sorte havia de estar do meu lado. 
Tivesse eu enfrentado os risco de fazer o errado,
E a razão haveria de encontrar outro culpado.

Arrependo-me de tantas coisas que vi.
De ter visto assombros sem ter intervindo.
De ter aceitado amor e não ter retribuído.
Tivesse eu combatido os actos reprováveis que vi,
E não seria a cúmplice miserável que sou.
Tivesse eu multiplicado o amor que me foi oferecido,
E a não ser um ser humano melhor a vida me condenou.

De vergonha e humilhação reconheço:
Só não me arrependo,
Do arrependimento que me assaltou. 

20.1.15

Quem é Deus?




Crises de fé internacionais à parte, eu tenho vivido uma grande crise de fé por razões pessoais.
Tinha apostado todas as minhas fichas no ano que terminou e perdi-as. Todas. Como é que se recupera disso? Como é que se recomeça sem fichas para jogar?
Eu acredito em Deus e isto é logo um grande problema. Quando nos educam a acreditar em Deus, ensinam-nos a depositar esperanças numa coisa abstracta, em terceiros, e a confiarmos que as coisas se hão-de resolver de alguma maneira sem que tenhamos de interferir. O que não nos ensinam, é a aceitar o fracasso, a aceitar as falhas dos outros e a incapacidade de os outros nos resolverem os problemas.
Ora se eu acredito em Deus, e que Ele há-de saber tomar melhores e mais sábias decisões que eu, como é que poderei lidar depois com a Sua inoperacionalidade?
E dá-se a quebra de fé. De confiança, porque no fundo é isso, uma questão de confiança em algo que não se vê, não se conhece. Continuo a creditar em Deus, a acreditar que existe ali qualquer coisa que comanda isto tudo, mas, em perdendo-Lhe o sentido, não Lhe reconheço verdade ou utilidade. Ou seja, não consigo acreditar nas Suas boas intenções. Eu, que tendo a ver um propósito em tudo, mesmo nas coisas más que acontecem (aquela história da lição de vida para nos fazer aprender e crescer), ultimamente não consigo ver o propósito em Deus insistir numa mesma lição, vezes e vezes sem conta. Anos e anos a fio. Hei! Oh Deus, se me estás a ler ou a ouvir os pensamentos, só te quero dizer que cá em baixo a malta já percebeu a mensagem. Over and Out!
É o mesmo que meter um filho na escola e ao fim de quatro anos a professora só ter ensinado a letra A para ter a certeza que o menino aprendeu mesmo. Para garantir que ele sabe mesmo, mesmo, mesmo, o que é a letra A. Assim, de repente, não me faz sentido.
Neste momento, sem as tais fichas para jogar num momento de falta de fé, já não sei que jogo fazer. Se faço bluff, se roubo fichas aos outros para poder continuar, se desisto ou se demonstro um grande fair play e salto fora de sorriso no rosto e a dizer, "fica para a próxima".
Mas na vida há poucas coisas de que se possa desistir, muito menos coisas que aquelas que pensamos. E no meu caso nem há nada para desistir. Só se for de Deus que eu possa desistir. Será possível desistir de uma parte de nós? De uma parte que nos foi cosida na alma e nas entranhas? Ele estará assim tão acima de nós, e da fé que Lhe depositamos, que nem se digna a vir cá abaixo, fazer-nos acreditar, fazer algo de bom pelas pessoas que O inventaram e veneram, e mostrar de uma vez por todas que existe?

Se afinal Deus não é aquela entidade abstracta que nos acode nas horas incertas e não nos dá as respostas que precisamos, se não é a figura que me ensinaram que me amaria incondicionalmente e me viria sempre auxiliar em todos os momentos, pergunto eu: Afinal, quem é Deus?


18.1.15

34




Olhando para o meu exterior, acho que tenho sabido envelhecer.
Mas olhando para dentro de mim... sinto tantas saudades dos meus 24 anos.




13.1.15

Novidades! Ou não...



Acho que devo uma explicação, ou pelo menos dizer um olá, às cinco pessoas que todos os dias insistem em vir aqui.
Antes de mais, e em primeiro lugar, obrigada.
Em segundo lugar, preciso de explicar como se processa o fenómeno "ano novo" comigo para perceberem por onde tenho andado e a razão desta ausência.
Quando um ano começa, eu sou daquelas pessoas que pensa "desta é que é" e "agora é que é a sério". E esta moralização faz com que eu arranque cada ano com uma força de vontade imensa em mudar o mundo, e de me mudar a mim.
Este ano não foi excepção, mas logo em Dezembro percebi que não valia a pena ter as expectativas muito lá em cima e que desta vez era melhor ser mais razoável comigo e com os objectivos que me coloco.
E é em parte nesses objectivos, tangíveis e modestos, que tenho usado o meu tempo, em vez de vir para aqui maçar-vos.
Também sei que lá para Fevereiro, tanta vontade de mudança já se esgotou e volto ao que era, e cá estarei a falar da vida e da morte com uma fotografia a preto e branco a acompanhar. 
Mas, não me esquecendo do que aqui vim fazer, venho justificar a minha falta de pachorra para escrever. Comecemos, então.
No Natal recebi oito livros. Para não fazer o mesmo dos anos anteriores - que é não ler nada do que me ofereceram - empenhei-me nesta tarefa de todos os dias ler o maior número de páginas que me for aprazível, e não me tem corrido nada mal. Já li dois livros e hoje vou começar o terceiro. Senti que precisava de voltar às leituras e de ganhar balanço para voltar a escrever. Estou muito satisfeita com esta resolução de ano novo, e de usar umas horas do meu dia nisso.
Entretanto também tenho ido ao ballet e tenho lido mais sobre ballet e estudado uns vídeos. Isto de se aprender uma coisa completamente nova e fora da nossa zona de conforto devia ser obrigatória. Periodicamente deveríamos ser obrigados a fazer algo fora das expectativas. Estou a encontrar sentimentos que não conhecia. Nunca fez tanto sentido associar o cor-de-rosa ao ballet, porque, de facto, sinto-me cor-de-rosa por dentro (nem queiram ver), pela actividade propriamente dita e pelas pessoas que nela encontrei.
Também tracei um objectivo importantíssimo para a minha saúde física, mental e emocional. Talvez o mais importante dos últimos anos: dormir. Impreterivelmente, às 22:00 estou na cama. A ler, a escrever, a ver tretas na net, mas o corpo já está na cama e antes das 24:00 estou a dormir. Para ajudar passei a tomar sempre um duche quente mesmo antes de ir para a cama e adoptei a botija de água quente como a minha nova melhor amiga.
Este também é o ano em que vou emagrecer de maneira mais tranquila e definitiva. Sem a pressão de outros tempos mas com a maturidade que há muito necessitava ter para lidar com este assunto. Precisava de perder um determinado número - que não vou revelar - mas, vou ser razoável, e ficar-me por metade desse número para que a desmotivação não leve a melhor. Vou ser capaz, e vai ser para sempre. Prometo. Mas também para isso preciso de tempo e de viver com menos ansiedade e, às vezes, creio que o blog me alimentava essa ansiedade.
Talvez a mais importante das resoluções deste ano seja: não me maçar. Já tenho idade para não me deixar levar pelos impulsos e reagir a quente. Se coisa houve que 2014 me ensinou para este ano foi a ter travão. Se os desastres estão prestes a acontecer, estão todos a ver, mas ninguém faz nada, então também não serei eu a fazê-lo. E não é por filha da putice, é porque em 90% das situações não tenho mesmo nada a ver com o assunto e não me devo envolver. Ando sempre a tomar as dores dos outros, a pensar que vou mudar as cabeças das pessoas, a fazer vinte e cincos de Abril... para quê? Nada. Só para me maçar. Por isso vou-me manter na minha, calada, sossegada, de uma maneira tranquila e honesta. Não me vou tornar na pessoa que não gosto de ver nos outros. Não vou falar da vida alheia e irei ser muito mais comedida a falar da minha. E não digo isto de maneira áspera. É mesmo sentido e nascido de uma profunda necessidade de mudança. Eu preciso ser diferente com os outros para receber dos outros um tratamento diferente. Eu acredito no Karma e acho - sei - que o que dou recebo em troca. E este ano não recebi lá grande coisa o que deve querer dizer alguma coisa sobre mim.
Finalmente, ando a empatar algum do meu tempo noutro blog. Não em blogs alheios (deixei, simplesmente, de abrir outros blogs) mas na construção de um novo blog. Nada de imagens a preto e branco, nada de nostalgias, nada de romance, nada de sofrimento. Precisava de um refresh e descobri uma maneira bem mais divertida de o fazer, mesmo que a via continue a ser um blog.
E acho que era mesmo só isto que tinha para actualizar, para vos dizer a vocês, minha meia-dúzia de fiéis leitores.
Quando estiver em condições voltarei - normalmente quando deixo os capítulos a meio volto logo no dia seguinte - espero, com coisas bem mais interessantes para vos dizer.



7.1.15

Chama-lhe Arquitectura

Gianni Berengo Gardin



Perguntaram-me se sou de Economia ou de Direito.
(Por céus...!)





6.1.15

O pão. A vida.

Irving Penn



Há muito que me agarrei-me à farinha, ao fermento e ao sal e fiz um pão. Amassei lentamente uma massa que se colava aos dedos e que, queria eu, havia de tomar a liberdade de se soltar de mim. Continuei a enrolar os pulsos sobre ela até que ela me pedisse para parar. A massa sabe sempre quando está pronta. Por mais que se queira ou não queira, a massa sabe quando se deve soltar das mãos. Não serão as mãos nem os pulsos a mandar. Não será a vontade de quem amassa.
Tantas outras coisas na nossa vida que são assim. Que parecem ser controladas pela nossa vontade mas, afinal, resolvem-se quando decidem resolver-se. Uma mudança de trabalho, uma nova paixão, uma lotaria que tinha de acontecer, uma morte inesperada. Não mandamos em nada.
Percebi que existe uma janela de tempo, por vezes imperceptível, que decide o rumo da história. Existem uns instantes tão breves que, se não lhes prestarmos a devida atenção, podem fazer com que o pão fique cru ou demasiado cozido. Ou que nem se chegue a soltar das mãos. É como aquele olhar que se desvia por dois segundos e quando se volta com os olhos, o pão já foi todo comido e não resta nada.

Quantas vezes fiquei parada, a olhar para a porta do forno, com o pão na mão, com a sensação de que deveria ter entrado mais cedo? Quantas vezes percebi tarde de mais que de nada valia a pena meter o pão tão cedo no forno porque a massa já ia estragada?

E a vida é toda assim, um pão que leveda ou não leveda conforme a natureza demanda, e nós nada podemos fazer além de o ver cozer-se ou não, sem qualquer interferência.
E por isso há dias em que comemos um pão bom e outros em que comemos a massa crua, a colar-se aos dedos e a negar-se à boca. Mas assim tem de ser, porque assim a vida o decidiu.
Não mandamos em nada.


Comecei um ano assim, sem esperanças, sem decisões, sem mandar em absolutamente nada.