25.11.15

Não me quero aqui




Aquela dor,
Que há muito não conhecia,
Aconteceu.

Outra vez.

Na tranquilidade dos dias,
Na plenitude dos vazios,
Deu-se o terramoto.

Vindo de caminhos longínquos,
De povos desaparecidos,
De línguas que não se querem entender.
Deu-se o terramoto.
O tumulto.
A desavença.

Quantos nomes se pode dar a uma guerra sem nome?
A uma guerra sem golpes de armas,
Apenas com palavras lançadas sem piedade.
Que nome se dá a um conflito onde todos sofrem e ninguém quer sofrer?
Qual o sentido de guerrear numa guerra que não se quer?

Pudesse eu não sentir,
Ser feita de terra que cede,
E o terramoto não se dava.
A guerra não existiria.
Os povos não se desentenderiam.

Se sou eu a causa de tanta desgraça,
É nítido o quadro que finalmente se desvenda.
Torna-se, finalmente, claro quem está onde não devia estar:

Eu não me quero aqui.



17.11.15

Oops, caiu!



A propósito do que se tem passado na nossa vida política, neste inédito momento da nossa vida política, lembrei-me desta receita do Chef Massimo Bottura e que tem um nome curioso, como quase todos - se não todos - os que coloca nos seus pratos: "Oops! I Dropped the Lemon Tart"


Precisamos desta introdução...
The Italian topchef Massimo Bottura was about to come to The Netherlands to do a presentation at a food festival, as well as an interview with us. Unfortunately because of the earthquakes in Italy around that time he could not make it. But he was kind enough to send us this beautiful recipe for a slightly different lemon tart!
Massimo: “This playful dessert was inspired by my early days in the kitchen. I was totally obsessed with food as a child but very impatient as a young chef. I wanted to be able to create perfection from day one. When my mother was teaching me her technique for Emilian crostata crust, I was not giving her the attention I should have. The first couple of batches turned out crumbly or too hard. Every time I was dissatisfied I would throw the pie on the table and blame her:
“This is not the right recipe!!!!” After many broken pies, I learned how to kneed the dough properly. I never broke another pie until last year when one literally fell on the floor. Only then did I think about how important those first pie lessons were to me and appreciate how very patient my mother was with me. This dessert, by the way, is now my mother’s absolute favourite!
This dessert pokes fun at our daily strive for perfection and pristine beauty. I love the dynamics of a lemon tart but hate all the fuss- cream decorations and stubborn crusts. To get around all that nonsense, we purposefully crushed our tart. Of course, it isn’t just a one liner but full of flavoured experience from the most fragile crust to the peaks of tart, sour, sweet, cured and candied lemon on the plate.”

Penso que todos temos algo a aprender com esta tentativa/erro do Massimo Bottura, e com a sua impaciência em alcançar a excelência. Com esta lição sobre a displicência com que se olha para os que detêm o saber, apesar de nada sabermos, porque somos abalroados pelo nosso próprio ego. Muitas pelas vezes pela nossa imaturidade.

Não há nada de errado em querer ser-se perfeito. Não creio que haja. Mas há algo de pernicioso em querer-se ser perfeito sem primeiro aprender e sem se ter a humildade de se reconhecer que não se sabe tudo, não se conhece tudo. Muitas vezes temos de saber reconhecer que não dominamos o assunto que queremos dominar. Aquele que nos é caro ao coração. E, como tal, para bem dessa aprendizagem e dessa evolução que nos levará à luz de um conhecimento que nos conduzirá à excelência, por vezes, muitas vezes, talvez quase sempre, é preciso parar.
Parar para observar, ouvir, olhar, aprender, conhecer, errar, voltar a tentar, cair e voltar a erguer. Lá pelo meio, ou talvez no fim, teremos aprendido algo.

Massimo, apenas ao fim de muitos anos conseguiu dominar a técnica da massa da tarte de limão da sua mãe.
No dia em que deixou cair uma dessas tartes perfeitas ao chão foi quando deu realmente valor ao que a mãe lhe tinha ensinado.
Foi quando compreendeu, realmente, a matéria-prima de que era feita a tarte e a arte que foi preciso adquirir para a saber trabalhar.

Por estes dias caíram coisas no nosso país.
Ergueram-se outras que não sabemos por quanto tempo estarão erguidas. Porque não sabemos se tiveram tempo para ser aprendidas. Se tiveram tempo para ser erradas e, com isso, ter a possibilidade de se voltar a tentar, a corrigir, e a refazer.
Todos temos a aprender, com esta queda acidental da tarte de Massimo Bottura. A aprender que, por vezes, uma queda acidental nos faz pensar nos atos do nosso passado, nos faz dar valor às coisas que anteriormente não demos e nas coisas que desprezámos.
Gosto particularmente da ideia de, durante anos, insistir numa tarefa até que esta se torne perfeita e oleada e depois, muitos anos depois, quando estamos plenamente confiantes, a vida nos venha relembrar que não sabemos nada e que a aprendizagem é constante.

Gosto da ideia de que, mesmo de um acidente, pode nascer uma obra de arte.

Todos temos a aprender alguma coisa com esta história, ou não?
A nossa tarte caiu, mas e nós? Aprendemos alguma coisa com isto? Vimos-lhe alguma arte? Ou vamos apenas limpar o chão a pensar que foi tudo um acidente?



16.11.15

Repetições # 8




Porque hoje José Saramago faria 93 anos, resgatei um texto dos primórdios do Dias Cães, escrito no dia em que Saramago faria 89 anos.
E, com certeza, digo eu à distância dos anos e daqueles tempos em que tudo me atacava a alma, com uma grande dose de paixão que talvez hoje não me assaltaria.
Partilho-o porque foi bom reler-me neste registo.
Espero que gostem também.



"Caro José Saramago,

Lamentavelmente, sei-o morto. Não se inquiete, não lhe venho pedir que volte ou, tampouco, dar-lhe más notícias do lado de cá. Creio que todos os que lhe são queridos estão bem, caso contrário tal agoiro saber-se-ia à velocidade dos impropérios saídos da boca do povo, que sempre fala do que não sabe. Também não o venho evocar, que esta coisa de acreditar no além nunca lhe foi assunto caro, bem o sei.
O que me traz até si, tantos anos depois de desavinda com a sua pessoa, é a vontade de lhe pedir perdão. Pedir perdão e reconhecer-lhe o valor como homem que, durante tempos sem fim, desconfiava ficar-se-lhe ao nível da sola dos sapatos. Na verdade achava-o um pobre miserável, pouco mais que ignorante, com a arrogância de manipular a língua-mãe como bem lhe aprouvia. Sem credo e sem temor a Deus. Um real néscio numa figura prepotente. Um ressabiado. Julgava-o descrente apenas da boca para fora, para esconder a fé desmesurada contra a qual lutava. Apenas via em si o ódio de quem, apesar da idade, ainda não tinha aprendido a viver, nem aprendido nada com a vida. Uma revolta apenas comparável à de uma de colegial a quem não foi satisfeito mais um inútil capricho e por isso amua de beiço estendido.
Caríssimo José, como eu estava enganada.
Como me penitencio por estar enganada. Como me satisfaço por ainda assim o reconhecer.
Lidos os seus livros, conhecida a sua vida, rendida à sua história de amor, não me resta senão estreitar a garganta de engano e embaraço.
Que notável homem foi, José! Que grande ser humano se encontrou nesse corpo! Nesse velho corpo onde ser escritor apenas coroou a excepcionalidade do génio em que se tornou.
Afinal, a sensibilidade que carregava no seu peito, era maior que aquela que carregava nas letras. Enganou-me bem. O seu amor pelos Homens não tinha fim e o amor pela vida doía-lhe por saber de um final inevitável. Amou a todos de modo mais ou menos severo mas entregou-se a tudo com as ganas de quem cresceu sem esse amor. Finalmente rendeu-se quando encontrou o mais literal dos pilares. Amaciou-se, e fez-me vê-lo doce, quando a velhice lhe chegou à pele. Os velhos são o meu conforto confesso. Passei a encontrar em si uma ternura que acreditava perdida para sempre entre as palavras agudas dirigidas a Deus. O mesmo Deus que o baptizou, ironicamente, com o nome de seu pai. Talvez soubesse que um dia o iria vergar. Sabia, com certeza, que um dia o iria receber. 
É por este reconhecimento de homem bom mesclado de escritor genial, que não podia continuar sem lhe pedir perdão. Sem lhe dizer que gostava de o ter conhecido. Sem lhe contar quantas vezes me imaginei em Lanzarote à conversa consigo, pela paisagem despida e insaturada. Sem confessar que, se as nossas vidas se tivessem cruzado, eu me teria apaixonado por si.
Assim, na solidão das palavras que deixou, choro cada dia que o julguei em vez de o ter tentado compreender. Perdoe-me.

Espero que guarde junto a si estas sinceras palavras, para que um dia, juntos, as possamos reler.

Com toda a estima,
Um até breve!"