23.4.22

Um par de mundos

Luciana Urtiga



Os meus pés deixaram de assentar sobre a terra.
Vivo entre cá e lá, pendente entre este mundo e o outro.
Entre estes dois mundos, ou três, que não se conhecem mas são vizinhos.
Quantas realidades haveremos nós de conhecer e quantos mundos contaremos pelos dedos quando sairmos deste para outro?
Ou quantos realidades paralelas - ou convergentes - conheceremos ainda do lado de cá?
E que decisões tomaríamos na consciência de que existem outros lugares e tempo e seres e vidas?
Escolheríamos ser outros ou insistiríamos em ser os mesmos?
Tiraríamos lições sobre nós mesmos se nos olhássemos de fora?
E se houvesse uma outra vida, outra dimensão, onde não existisse mais ninguém?
Gostaríamos de nós? Ou só gostamos e desgostamos de nós porque existe o outro para estabelecermos comparações?
Este mundo, sem reflexos, pessoas ou comparações, não criaria homens mas anjos e os anjos não vivem entre mundos.
Estão num plano estável e estático e etéreo sem oscilações nem ecos. Vivem suspensos em algo que não compreendemos nem alcançamos. Vivem ou existem. Simplesmente existem, numa circunstância que não nos interessa viver, precisamente porque os anjos não vivem: simplesmente existem.

Eu. Eu vivo entre cá e lá. Entre este mundo e o outro. Sem ilusões, apenas à espera que as dimensões se revelem, as pessoas se agitem de pânico e este mundo acabe.
Em breve.