Sempre maior que os outros. Mais esperta, mais astuta, mais inteligente, mais senhora de si. No fundo, senhora dos outros também. A pequena ditadora, apesar da sua fraca figura, achava-se sempre acima dos outros e deitava-lhes olhares dominadores e sobranceiros como quem nega a existência de alguém equiparado a si. Também gostava de levantar a voz e impor palavras de autoridade mesmo sobre quem merecia reverência. Não admitia, sequer, que alguém a tentasse ultrapassar. Nem mesmo quem legitimamente o poderia fazer. Problemas de autoestima, dizia-se. Complexo de inferioridade camuflado numa altivez que faria adivinhar precisamente o contrário. A pequena ditadora confundia os outros. Ora gigante, ora minguada, nunca se percebia bem se estava à defesa ou se atacava tudo e todos para não dar tempo de ser ferida. Confundia os outros porque lhe viam no corpo a genica de uma pequena e arrogante burguesa e nos olhos o medo de uma criança maltratada. Mas ela pensava que os outros só a viam como a rainha que tudo sabia. Era assim que se gostava de imaginar.
Era mesmo fantástica a pequena ditadora. Pequena, espevitada, de passo firme e acelerado, como quem corre para salvar o mundo, mesmo sem notar que o mundo não lhe pedia para ser salvo. Corria apenas para verem que ela corria. Talvez também corresse para fugir de si e dos seus pensamentos e da sua vida pouco ocupada, quando não estava ocupada a mandar na vida dos outros. Mas isso seria outra conversa. A pequena ditadora nunca se vergava à sua própria vida. Não se enxergava. Não se virava para si, não se analisava, e nunca se lembrava que tinha três dedos virados para si, quando apontava o dedo a alguém. Problemas de tamanho. De escala. Só olhava de baixo para cima mas acredita que os outros é que se inclinavam para a ouvir falar.
Pobre pequena ditadora que nunca viu o quão miserável era a sua indistinta existência aos olhos de quem realmente manda no mundo e não tem tempo a perder com a vida medíocre dos outros. Não entendia, e talvez tivesse passado toda a sua vida sem entender, que as coisas importantes se passam a um nível superior à sua baixa estatura e que o seu umbigo é tão pequeno que ninguém o via além dela. Pobre pequena ditadora que, de tempos em tempos, quando era contrariada por alguém de altura maior que a sua, se escondia num pranto de lágrimas que recusava denunciar. A pequena ditadora chorava muito. Escondia-se. Não admitia, mas chorava muito. Chorava todos os dias e nem sabia porquê. Dizia que não sabia, a coitada. Mas todas as pessoas sabiam. Chorava por ser desautorizada. Por ficar só no seu reino de ordens em surdina. Por nem se darem ao trabalho de lhe dizer um gigante "NÃO" porque ela era tão pequena que nem essa atenção merecia. Só na cabeça dela, no seu mundo de ditadura matriarcal, é que era possível ela pensar que mandava em alguém e que alguém acatava o que ela dizia. A pequena ditadora, de passos rápidos e raciocínio ágil, não convencia ninguém para além dela própria, que um dia iria chegar longe e que todos se vergariam às suas imposições.
A pequena nunca se fez grande. A história contaria, mais tarde, que morreu pequena como nasceu. E que morreu a mandar na vida dos outros em vez de tomar conta da sua. Morreu sozinha, numa noite de choro sem razão, e com todos os dedos apontados para si.
A pequena ditadora, nunca foi feliz.
Pobre, insegura ditadora, como todos, ou quase todos, grandes ou pequenos. Quem pode comandar os outros se não se comandar a si próprio?
ResponderEliminarBoa noite!
Os ditadores nunca são grandes.
ResponderEliminargosto quando escreves assim. gosto muito.
ResponderEliminar