Para o Gonçalo F., o visitante n.º 10 000, que escolheu como tema: “O cinema... através de uma imagem”.
Pedirem-me que fale de cinema é, mais ou menos, o mesmo que me pedirem que fale de sushi: gosto, consumo, vicio-me, não prescindo por nada deste mundo mas... (sim, há sempre um mas), eu não faço a mínima ideia de como se faz. Não domino a técnica. Não conheço todos os ingredientes.
Nesta perspectiva sou completamente sedentária a nível mental. Sedentária, para não dizer preguiçosa. Vem-me até à ideia aqueles homens barrigudos que passam os serões sentados no sofá a ver lutas de wrestling enquanto escravizam as mulheres com pedidos de latas de cerveja enquanto devoram cornichons em pickle. Sinto-me um homenzinho acomodado à poltrona em pele dos anos 80, cuidadosamente revestida com uma manta de xadrez, que não se esforça por um segundo.
Resumidamente: sirvam-me, que eu consumo. Se gostar continuo. Se não gostar rejeito. Claro que apenas falo da parte de criticar cinema de modo coerente, eloquente e inteligente. Não falo de ver cinema ou saber do que gosto, porque disso sei eu bem.
Justificado que está que não saberei falar decentemente de cinema, quem quiser abandonar o blog neste momento, que se sinta à vontade para o fazer. Eu sou a primeira a compreender! Até porque o texto ficou longo que sei lá...
Vamos então a isto:
Ainda que estabeleça alguns critérios sobre os filmes que me interessam ver (não pago para ver comédias românticas ou os chamados filmes de acção (?) – Não são todos?), na verdade já me desapontei muito com filmes amplamente aclamados pela crítica mundial – o que me fez sentir bastante estúpida e ignorante – como também já passei pela desagradável sensação de gostar de filmes que não era suposto gostar – senti-me igualmente estúpida por gostar de coisas estúpidas e ainda tive de mentir quando me perguntaram o que tinha achado. Por isso suponho que mais vale ver sempre cinema de qualidade. Do mal o menos não poluo o cérebro.
E o caso mais paradigmático em que me senti, não estúpida mas vazia, como uma gruta por onde passa uma enorme corrente de ar, foi mesmo com o filme “O Encouraçado Potemkin”. Vi-o há cerca de 10 anos na faculdade. Numa qualquer aula de projecto, lá nos esperava “O Encouraçado Potemkin”. O ambiente estava escuro. Havia agitação na sala. Roda o filme...
"A sério? A sério que nos vão meter a ver um filme a preto e branco de mil novecentos e troca-o-passo?" Nem podia acreditar... Preferia falar do projecto que não tinha.
O filme começou. O filme continuou. O filme terminou. Honestamente, não me lembro do filme.
Ainda hoje não sei o que se passou comigo. Se um transe de estupefacção, ou uma amnésia de salvação. Não sei que mecanismo o meu cérebro desencadeou mas não me recordo de nada há excepção de duas coisas (afinal de contas não podia ser assim tão estúpida). Lembro-me do som. Lembro-me da escadaria de Odessa.
Por incrível que pareça também nunca esqueci o nome do filme. E lá vão três coisas...
Quando me foi pedido que falasse de cinema, pegando numa imagem, foi o primeiro filme de que me lembrei, o que também não poderá ser mau sinal. Não me lembrei do “Dirty Dancing”, nem do “Rambo”, nem do “Sozinho em Casa”. Vá lá, dêem-me crédito! Lembrei-me daquela escadaria alucinante por onde se precipitava um carrinho de bebé. Dos desesperos nos rostos. Do som agudo, acelerado e dramático.
Por isso, não podia ignorar que tinha de falar deste filme, e apressei-me a correr para o Google. Para meu espanto sei de caras com a imagem que registei na minha memória durante todos estes anos, sem tirar nem pôr.
Posso tirar daqui várias elações sobre o efeito do cinema, e em particular deste filme, sobre mim:
1 - O título é importante. Se não me lembrar do nome do filme, então é porque este não foi memorável sob qualquer aspecto.
2 - Se não me recordar dos sons, é porque o filme podia ser mudo. Se podia ser mudo, mas não o era, então tinha excesso de informação. Se não era mudo e não me lembro dos sons então a banda sonora e a envolvência das personagens no filme falharam redondamente.
3 - Se me lembro apenas de uma imagem do filme e, quando procuro por ele, é precisamente essa imagem que aparece, então o sacana do realizador é um génio, porque conseguiu perpetuar apenas uma imagem num bilião de pessoas, e ainda conseguiu que numa imagem resumisse a natureza de todo o filme. Levanto-me e bato palmas!
4 - Se o filme é bom, não precisa de ser a cores. Um bom filme trás-nos todas as cores aos olhos.
5 - A ideia de que os últimos 10 minutos podem salvar um filme aqui caem por terra, uma vez que nem me lembro como acabou a trama. Por isso, e pelo sim pelo não, mais vale fazerem-se filmes com qualidade do princípio ao fim, porque nunca se sabe o que o público lembrará.
6 - Finalmente, aprendi ainda que não vale a pena rever apenas os filmes de que gostei. Aqueles que em algum momento considerei detestáveis, possivelmente, só o eram à luz de um contexto, de uma tenra idade, de uma fase da vida imatura. Como as coisas mudam e as opiniões também, uma coisa eu sei, em breve irei rever “O Encouraçado Potemkin”.
Boas críticas... e de pessoas que sabem do que falam... aqui e aqui.
Ao Gonçalo, peço perdão por não ter sabido escrever sobre cinema.