Todos os dias, à mesma hora, escrevia-lhe cartas de amor, indulgentes e sofridas de saudade. Umas contemplavam-lhe a beleza imaginária, outras enalteciam-lhe os traços do carácter nobre que, tão docemente, a confortavam. Sentia uma mescla de coisas na pele e nas mãos, à medida que desenrolava letra atrás de letra. Que fazia nascer linhas de amor atrás de linhas de paixão. Que paria uma carta depois de outra, como se de um parto demorado, mas prazeroso, se tratasse, depois de lhe conhecer o desfecho. As horas à escrivaninha, entregues aos amores de um desconhecido, elevam-lhe os pensamentos ao mais puro dos planos que compõem um ser humano. Escrever palavras dirigidas ao seu amado ascendiam-na a mulher de sorte e de bons princípios. De moral e de respeito, como esperava ser reconhecida e como, no fundo, acreditava ser o homem a quem escrevia de mão fervente.
Um dia a rapariguinha, cândida como as folhas que ameigava, ambicionou mais. Muito mais do que o decoro permitia a uma jovem platonicamente apaixonada por um estranho. As palavras, que compunham as frases, que escreviam o texto, haviam de abandonar o ninho onde todos os dias eram alimentadas.
Dobradas a preceito, como papel pardo envolvendo uma pena de ganso, as cartas aninharam-se em envelopes perfumados, um após o outro, decorados com sisal, como se esse sisal prendesse as palavras até chegarem ao destinatário. Gostava de sonhar que o desatar da linha libertava todas as palavras, como um halo esplendoroso em direcção ao seu amor, onde este se quedava de admiração por tão belas palavras desenhadas.
O jovem rapaz não havia, contudo, de entender logo as inquietações da sua admiradora secreta. Nunca conheceu a existência de uma escrivaninha de carvalho arranhada de tantas palavras nela serem escritas, nem percebia o jasmim que perfumava o papel das cartas. Jamais entenderia que aquele amor era guardado por sisal por este ser o mais resistente dos guardiões.
Mas o mistério tomou conta dos seus dias. Invadiu-lhe as ideias e as noites. Mudou-lhe as rotinas que teimava em não largar. Agora, todos os dias, à mesma hora, aguardava impaciente a chegada do carteiro, que marotamente sorria por saber que cartas bem aprumadas vinham de mãos de jovens raparigas.
O bom rapaz, como ela suspeitava ser, era-o de facto e dedicou-se a namorar um amor desconhecido por rendição às lindas palavras que nunca lhe tinham ofertado.
Desamarradas algumas folhas do calendário, a cabeça pairava ainda mais no ar, denunciando a todos os sintomas da sua enfermidade: estava apaixonado.
Quando os seus lábios se conheceram, os seus corações há muito que se amavam. Trocaram o primeiro beijo, muitas luas depois, ao entardecer do Outono.
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