1.5.11

Às velhas mulheres mães




Deu de mamar a seis. Cinco eram seus e a outra, uma menina, era filha de uma vizinha que, tinha o destino traçado, era também sua cunhada. A coitada era seca e nunca havia de deitar uma gota para alimentar a sua cria. Quando se apercebeu de tal infortúnio ficou desorientada. Foi então que, não por se lembrar genialmente de uma solução, mas por outras mulheres o terem feito, foi pedir à vizinha e cunhada, acabada de parir o primeiro dos cinco filhos que havia de ter, para amamentar também a sua querida filha, não fosse o Santo não ter piedade e levá-la desta para melhor. A vizinha, adocicada pela maternidade que acabara de experimentar, nem proferiu palavras. Estendeu os braços, pedindo a criança ao seu colo, e mostrou-lhe o caminho dos seus peitos fartos. A criança mamou sôfrega. Saciou-se. A mãe agradeceu e haveria de voltar nos próximos cem dias à hora da fome.
A mulher que amamentava, coração raro de bondade como havia de mostrar o resto da vida, pariu os restantes quatro filhos e deu-lhes de mamar até perder a forma dos peitos. Deu-lhes alimento à boca e deu-lhes tudo o que pode, numa época de miséria onde o tudo não passava de gestos de carinho e de palavras por não haver tostão para nada. Acompanhou-lhes o crescimento, encaminhado-os nos percursos mais ou menos difíceis; ensinou-lhes o que era uma família e os seus valores e quis que soubessem o que era o amor aos filhos, que também acabariam por ter. Depois dos sete filhos dos seus filhos, vieram mais seis netos destes, que juntando aos genros e noras e netos e netas por afinidade, formariam a família enorme pela qual sempre se entregou. Pela qual sempre se esqueceu de si mesma. Eram mais de vinte aqueles que descenderam do seu sangue. 
Quase no fim da sua vida continuava a contá-los a dedo para ter a certeza da prole que tinha alimentado e para se poder orgulhar dela. Mas os dias minguavam e as visitas à velha mulher também. Já não conseguia contá-los porque os seus descendentes já não se cruzavam na sua vida. Dias houve em que apenas os da casa estavam presentes para se recordar que tudo começara nela. E um dia, quando já não haviam mais dias para subtrair... o mundo acabou para uns... mas havia de continuar, sem sobressaltos, para muitos dos outros.
E nesse dia, em que o chão se abriu para a receber, uma mulher chorou copiosamente a sua despedida. Essa mulher, também já velha e de família criada, nunca esqueceu que a sua vida começou no peito daquela mulher generosa. A mãe de sangue lembrou-a sempre que a sua vida só o era graças à generosidade terna da sua mãe de leite. Essa mulher, que a sua mãe de leite homenageou no nome que deu à sua última filha, não esteve presente nos momentos fáceis da sua vida. Preferiu deixar esses para os filhos de sangue. Mas esteve sempre presente nos últimos momentos da sua vida, como essa sua mãe esteve presente nos seus primeiros. Cumpriu-se um ciclo. Esse ciclo que os seus filhos ingratos ainda não compreenderam e que tanta agrura trás aos poucos que compreendem. E apesar de os saber há muito autistas das suas emoções, hoje só doeu mais constatar isso. 

Porque hoje, essa brava mulher merecia ter sido recordada como mãe, recordo-a aqui também como uma querida avó.





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