27.8.11

A praia dos clichés



Tesouros e clichés impossíveis de esquecer:

- O grupo barulhento de emigrantes que se atropelam entre “voilás” e “caragos”;
- O senhor que insiste em usar a tanga de lycra de 1985 com o seu corpo “Verão 2011”;
- O casal de namorados adolescentes que, à boleia de umas férias com os pais dela, inibem a libido por baixo de uma toalha;
- As crianças que choram e gritam e berram entre as 10:00 e as 18:00 (talvez devessem ir para casa dormir a sesta);
- O casal de quarenta anos que não troca palavras além do “vamos embora?”;
- O casal de 60 anos, feliz, que tagarela o dia todo sobre os dramas do Sudoku e os problemas que o chapéu de sol vai dando;
- As adolescentes de corpos indecentes que se bamboleiam pela praia como se estivessem numa montra de cupcakes;
- O homem gordo, de peito peludo, com um rosário de plástico ao pescoço e uns brincos “fake” à Cristiano Ronaldo;
- A boazona que passa óleo pelo corpo até à exaustão;
- A mulher gorda que exibe, feliz, o biquíni mais pequeno que encontrou na loja dos chineses;
- O rapaz tatuado que passa o dia ao telemóvel a dizer “iá!”;
- A mulher que escraviza o marido, todo o santo dia, com demandas: “estica a toalha; agarra-me os chinelos; põe-me creme; arruma a roupa;...”;
- O marroquino que vende relógios automáticos topo de gama mas usa no seu pulso um digital dos anos 90;
- A senegalesa que não baixa 10 cêntimos no preço dos brincos porque “São de plástico. São muito bons”;
- O giraço que, em vez de olhar para a estampa de namorada que tem a seu lado, gala todas as miúdas da praia que lhe passam pela vista;
- Os dois casais gay estendidos à beira-mar, numa exfoliação corporal com areia enquanto soltam risinhos agudos.






10.8.11

O senhor incógnita



Por não nos conhecermos, isto é tudo o que quero saber sobre ti:

- Ao que soa a tua voz?
- A que cheiras?
- A que sabe um abraço teu?
- Quão forte és?
- Qual o peso das tuas mãos?
- Que geometria tem o teu sorriso?
- Quão salinas são as tuas lágrimas?
- Como te chamas do princípio ao fim?
- Quem escolheste para teu melhor amigo?
- Quando e onde foste nascer?
- Preferes o companheirismo dos cães ou a independência dos gatos?
- Que comidas te elevam o espírito?
- Se gostas de dormir na escuridão total ou com a presença de claridade?
- Se dormes com ou sem roupa?
- Se tens vícios intragáveis?
- Que músicas te fazem viajar para fora desse corpo?
- Se gostas de Kafka, Calvino e Sartre?
- Se gosta de ler e que te leiam em voz baixa junto ao peito?
- Se gostas de sussurros de lábios colados na parte de trás da orelha?
- Se beijas com os lábios ou com os olhos?
- Se a distância te afasta ou te trás saudades pulsantes ao coração?
- Se preferes amar ou ser amado?
- Se és feliz?

Respondes-me hoje?



3.8.11

A fita de Möbius


O matemático e astrónomo  alemão August F. Möbius criou uma superfície não orientável, isto é, sem frente nem costas a que vulgarmente chamamos fita de Möbius. O facto foi considerado um feito no mundo científico. 
Para obter uma fita de Möbius, recorte uma tira de papel, dê uma volta a uma das extremidades e cole-a à outra ponta. Propriedades da fita:
1. Construa uma fita de Möbius em papel transparente e escreva a frase «sempre em pé», por exemplo, ao longo da fita. Mantendo a fita entre dois dedos, puxe-se por ela para a fazer dar uma volta completa. A frase «sempre em pé», ora nos aparece direita ora nos aparece invertida.
2. Corte a fita, longitudinalmente, pelo meio. A fita não se divide, como se poderia esperar, continua a ser uma fita única. Estique-a cortada, e esta aparece como uma única fita, mais fina e mais comprida. Em vez de cortar a fita original pelo meio, pode-se cortá-la a um terço da largura. Depois de a tesoura percorrer a banda, aparecem duas fitas, uma maior e uma mais pequena, encaixadas uma na outra


A fita de Möbius
Imagine que a sua vida é uma linha, com o comprimento correspondente aos anos que irá viver. Imagine uma linha longa. Agora imagine que em vez de uma linha tem uma fita de papel. Branca. Uma vida em branco. Esqueçamos por agora o conteúdo dessa vida. Vire a sua atenção para as pontas da fita. O princípio e o fim. Agora repare que, como todas as superfícies planas, a fita tem duas faces. As duas em branco. Vamos aproximar as duas extremidades da fita como se de um anel se tratasse. Quando estiver quase a unir as pontas, faça uma meia volta em apenas uma das pontas. Escolha o princípio ou fim. Irá perceber que é indiferente. Agora cole as pontas da fita. Esta é a fita de Möbius. E tem uma teoria por trás. Não é apenas uma fita. É uma equação matemática. É uma metáfora para tantas outras coisas.
Para compreender o grau de complexidade por trás deste gesto simples faça o seguinte exercício:
- Pegue num marcador;
- Comece a desenhar uma linha no centro da fita;
- Percorra a fita sempre sem levantar o marcador;
- Concluirá a linha precisamente no ponto de onde partiu;
- Por fim, desmanche a fita, descolando as pontas;
- Agora observe ambas as superfícies da fita: ambas têm a linha feita com o marcador.

A vida de Möbius
A sua vida é uma linha. Tem um determinado comprimento que desconhece. Mas imagine-a longa. Com duas extremidades. O princípio e o fim. O nascimento e a morte. Mas a sua vida não é só uma linha. A sua vida tem superfície. Tem obstáculos e tem relevos. Mas acredite que a sua vida comparada com tantas outras é uma fita. Uma fita com ambas as superfícies brancas e planas. Sem imperfeições. Mas a sua vida não deixa de ter duas faces. A face boa e a face má. E se reparar não irá viver metade da sua vida na plenitude da felicidade nem a outra metade na obscuridade das trevas. Os lados mesclam-se. Ora é feliz ora sofre infortúnios. Um dia as duas extremidades irão unir-se. Não sofra já. Nem irá dar por nada. Una as pontas dessa vida. Viver e morrer são o mais natural momento na natureza. Esta é a vida de Möbius.
Para compreender o grau de simplicidade por trás deste gesto aparentemente complexo faça o seguinte exercício:
- Recorde um facto que a tenha acompanhado toda a vida, por exemplo, os relacionamentos com pessoas;
- Comece por os enquadrar cronologicamente na sua vida e percorra-a toda. Não se esqueça de ninguém;
- Irá perceber que percorre toda a sua vida sem que haja um só momento em que, de um modo ou de outro, não se tivesse relacionado com alguém: família, amigos, colegas, amantes...;
- Perceberá que dentro desses relacionamentos existiram momentos bons e momentos maus;
- Concluirá esse raciocínio precisamente no ponto de onde partiu: a relação com a origem - O ventre. A terra;
- Por fim, imagine que a sua vida é novamente uma recta. Uma fita. Olhe para os dois lados do seu percurso de vida. Pondere que outros caminhos poderia ter seguido;
- Por esta altura já percebeu que é indiferente tomar boas ou más decisões. O caminho é o mesmo;
- Agora observe a sua vida: viveu dos dois lados em simultâneo. Teve o doce e o amargo. Amou e odiou. Decidiu e vacilou. Caminhou recto e resvalou. Sonhou e desenganou-se. Mas no fim, simplesmente, Nasceu e Morreu.