29.11.12

Tu, que não me conheces





Tu, que não me conheces nem nunca irás conhecer:
Não tenhas pena de não chegar à pessoa inalcançável que te pareço ser.
Prefiro que me imagines para sempre perfeita.

Tu, que não me conheces mas em breve irás conhecer:
Não esperes que te fale como escrevo.
Tornar-me-ia incrivelmente aborrecida e arrogante.
Leva um sorriso no rosto. 
Gosto que me recebam com euforia.

Tu, que não me conheces mas gostavas de conhecer:
O que é que te impede de chegar a mim?

Tu, que não me conheces mas em tempos quiseste conhecer:
Porque desististe? 
Em que momento perdi o interesse?
Em que momento te desiludi?

Tu, que não me conheces mas pensas conhecer:
Isto é apenas um blog.
Não é aqui que me encontrarás.

Tu, que me conheces mas finges não conhecer:

Agradeço a discrição.
Não lido bem com os elogios.

Tu, que me conheces e me dás a conhecer:
Porque te dás ao trabalho?
Tens assim tanta fé em mim?

Tu, que me conheceste e nunca mais voltei a ver:
Fizeste bem em não aparecer mais.
Também não apreciei a tua companhia ou ter-te-ia procurado.

Tu, que não me conhecias e agora me conheces tão bem:
Ainda bem que chegaste.





26.11.12

O homem que não tinha sapatos



Estação de Metro de Marquês de Pombal - Lisboa - 25.11.2012 - 11h30





*

Cheguei a casa e descalcei as botas.
Meti os pés sem meias no chão frio e lamentei.
Lamentei um mundo de coisas. Lamentei por mim. Lamentei ser esta pessoa triste. Sem forças.
Depois lamentei pela vida daquele homem. Não me saiu da cabeça a viagem toda. Lamentei ter sido egoísta. Lamentei o que fiz de mim. Mas o que mais lamentei foi não ter tido força para parar ali e pensar. Pensar e agir. Naquele momento não devia ter havido a urgência em apanhar o comboio. Ninguém esperava por mim. Não devia ter sentido vergonha e fingido que não tinha visto. Não devia ter desviado o olhar com medo que o homem tivesse alguma reacção. Eu devia ter parado e olhado para o homem. Para a pessoa que é. Devia ter falado com aquele homem. Devia ter-lhe pedido que ficasse por ali mais um pouco. O tempo necessário para eu esquecer o comboio e correr até qualquer lado para lhe comprar uns sapatos. Não precisa de luxo quem nunca o teve mas precisa de conforto quem vive desconfortável.
Eu tinha de ter feito alguma coisa. Estava ao meu alcance. Devia ter agarrado nas minhas pernas e ter feito um pouco de nada para mim mas que poderia ter sido muito para aquele homem. Podia ter arranjado uns sapatos. Uns sapatos e um casaco quente. Não tinha de salvar aquele homem do mundo mas podia ter feito, pouco que fosse, por ele.
Eu devia ter sido gente!
Eu devia ter sido gente...

*
Entre a chuva e as atribulações de arrastar uma mala de viagem, conter a maquilhagem que me caricaturava já a cara e afastar o cabelo molhado, lá me meti no Metro. 
Sem prestar atenção ao que acontecia fora de mim, fui travada pelas ironias do universo.
Na minha frente desenhava-se uma figura de um homem perdido. Comecei por lhe sentir a desorientação. Impaciente, como a sua loucura, balouçava-se sobre o seu próprio corpo, remoía qualquer coisa entre dentes e tinha os olhos abertos de surpresa, como alguém que fez a maior das descobertas.
De corpo e roupas encharcadas, apontava o dedo indicador contra um cartaz. Via coisas que eu não estava a ver. Mas via muitas coisas. Parecia eufórico.
Não o compreendi. Como poderia eu compreender? Deixei de compreender o que fosse quando lhe vi a figura completa.
Aquele homem, encharcado... não tinha sapatos. 
Como poderia ele, no meio da sua demência, sentir a angustia que eu senti por o ver sem sapatos? Para ele uns sapatos serão o menor dos seus problemas? Não consegui pensar. 
Olhei para os pés com dor. Tinha-lhes enrolado dois sacos de plástico. Atou-os com um nó em volta dos tornozelos nus. Consegui sentir os pés frios. 
Desviei os olhos para conter o choro. Ele não iria compreender. Porque além de ver muitas outras coisas naquele momento, já nem ele chorava mais por si. Perdera-lhe o significado. 
Outras pessoas passaram e riram. Aquele louco estava a ver coisas e fechava e abria as grades da entrada da estação como se soubesse o que fazia. Riam de ignorantes que são. Riram, porque dá menos trabalho que sofrer. Dá menos trabalho que agir.
Aquele homem não tinha sapatos e ninguém parou.
Nem mesmo eu.


*
Desci do quarto andar, à pressa, por ter perdido o tempo que não devia a maquilhar-me e a escolher os sapatos. Lá calcei as botas novas. Enquanto descia, à pressa, do quarto andar, não parei de admirar as botas. Como são bonitas e confortáveis. O quão me favorecem o andar e a postura. Em como me fazem parecer mais nova. Namorei as botas, metidas nos meus pequenos pés, todos os cento e trinta e cinco degraus. Senti aquele conforto de quem tem o que quer por capricho. E senti-me bem por isso.
Cento e trinta e cinco degraus depois, meti os pés na rua. Chovia com intensidade e eu nunca fui de andar de chapéu. Deixei-me molhar. Deixei molhar as botas e senti-me feliz por estas me protegerem os pés. Não senti sequer o frio da água. Pude pisar poças sem que a água entrasse e senti-me satisfeita com isso. Como se aquela compra tivesse sido validada naquele momento.
Corri de mala de viagem às costas. O comboio partia dentro de quinze minutos e eu ainda nem estava no Metro. Perdi tempo a escolher as botas e a maquilhar-me mas ainda achava que tinha valido a pena. Os olhos esborratavam-se aos poucos mas as botas ficavam ainda mais bonitas molhadas. 
Eu tinha uns sapatos nos pés.






20.11.12

Bonjour Tristesse



Tantos dias que acordas triste.
Todos os abrir de olhos são penosos e perguntas-te o que andas cá a fazer.
Móis os pensamentos vezes sem conta e nunca vens ao de cima. Afundas-te cada vez mais na névoa que são os teus despertares. Que pensamentos tristes tens...
Não encontras sentido para nada. Só sabes que te dói tudo. Mas nem sabes porquê.
Dói-te a alma. Dói-te o corpo. Doem-te as vidas das pessoas que amas. Doem-te os sonhos que não irás realizar. Dói-te tudo aquilo que queres e não alcanças. Doer-te-á sempre muito mais o que não conquistarás do que tudo o que já ganhaste.
Questionas-te porquê.
Não, não questionas. Tu achas que sabes tudo o que há em ti e por isso nem te questionas. Pensas que te conheces em profundidade e que o teu fundo não tem fim. 
Mas não sabes nada ti. Não sabes porque na realidade não existem razões para estares tão triste para além da tua própria tristeza. A única coisa que conheces em ti é essa tristeza triste. O teu único mal é essa tua tristeza sem razões para ser tão triste.
Mas continuas a acordar triste todos os dias. Tão triste.
Tens aquela sensação de um corpo pesado que não se quer despregar da cama. De uma cabeça cheia de coisa nenhuma que se acredita cheia de tudo. Que acredita que carrega o mundo. O teu e os dos outros. Daqueles que amas, dos que não amas, dos que conheces e de todos os desconhecidos.
É isso mesmo que carregas. Tudo de todos. 
Mas ninguém te pediu para carregares nada. Tu e essa mania que os outros não sabem sofrer e tu terás de sofrer por eles. Somas todas as tristezas e por isso nunca poderás sorrir. Nunca poderás abrir os olhos e seguir pelo dia fora sem fazer contas. Gostas, na verdade, de sentir essa amargura. Aquela que te faz ficar pregado à cama com os olhos no tecto a pensar no fim dos dias.
E queixas-te que acordas triste. Tão sofridamente triste. Mal acordas pensas em morrer. E isso faz toda a gente triste. Quanto mais a ti...
O pior, é que vai mesmo haver aquele dia em que irás acordar e vais querer morrer mais do que em qualquer outro dia.
Vai haver aquela manhã em que abres os olhos e não vês outra saída que não seja entregares-te.
Em que a tua infelicidade se irá querer eternizar num qualquer momento de dor.
Pensas bem e ganhas todas as certezas. Acordar triste ou morrer? Há dias que achas tratar-se do mesmo. 
Um dia irás acordar, encher-te de todo o medo e trazer lágrimas aos olhos. Porque não queres morrer.
Porque queres que vejam o quanto queres morrer. Mas tu não queres morrer.
Queres que percebam que sofres. Que sofram por te ver sofrer. Mas morrer? Tu não vais querer morrer.
Acordarás triste todos os dias que te faltam viver. E irás viver muito. Irás continuar a querer morrer. Sofrerás todos os dias ao abrires os olhos. Mas não tenhas pressa em morrer. A morte virá um dia ao teu encontro quer a queiras ou não.
Até lá continua triste.
Acorda triste todos os dias, mas acorda. Podes acordar.
O mundo lá fora vai continuar igual e ninguém se irá preocupar contigo.
Por isso é bom que acordes e digas bom dia!
Pssst... Acorda... Tens tristeza para espalhar.




18.11.12

Carta ao marido que não tenho





Carta para lermos juntos depois dos oitenta anos.


"Meu amor,

Há cinquenta anos nunca pensámos que estaríamos aqui hoje. Tu dizias disparates sobre morrer novo e eu repetia-te vezes sem conta que, se era para morreres novo, pelo menos me estimasses, para eu ficar uma viúva jeitosa e ainda estar em condições de arranjar alguém para ocupar o teu lugar na cama. No fim ríamos mas eu sei que, lá no fundo, tu acreditavas mesmo no que dizias. Eu nem tanto. O meu amor sempre foi teu e tu sempre foste insubstituível. A verdade é que nem tu morreste novo nem eu fiquei jeitosa e agora é que nos rimos a valer por percebermos que não mandamos na vida e a vida fez o que quis de nós. Disparates. Tantos disparates que se dizem quando se é novo e não se sabe o que está para vir.
A verdade é que a vida nos manteve vivos, bem vivos, e juntos, para compensarmos a ausência um do outro nos primeiros trinta anos das nossas vidas em que andámos às cegas, sem nos encontrarmos. Mas lá nos encontrámos e o caminho deixou de fazer sentido só. Só me vejo a tê-lo feito contigo.
Primeiro avançámos com toda a força que a paixão pelo desconhecido nos dá. Depois recuámos por medo. Decidimos por fim avançar mas mais devagar. Nestas coisas da paixão e dos impulsos, foste sempre mais sensato que eu. Hoje agradeço-te por isso. Tivéssemos andado rápido demais e poderíamos ter caído. 
Há cinquenta anos, andávamos a tactear terreno, a analisar o grau de sucesso que a relação poderia ter, a fazer contas ao momento certo para dizer palavras de amor e a hesitar em explicar aos familiares e amigos porque se anda de sorriso tonto na cara. Foram momentos tão deliciosamente felizes.
Mas um dia assumimos perante o mundo que as nossas vidas, não eram duas mas apenas uma. Éramos um só. Lembras-te? Lembras-te também de, como de repente, parece que tudo mudou? Começámos a sentir o peso da rotina, e os nossos corações já não batiam descompassados. Por vezes, em silêncio, chorávamos de saudades de nós, do tempo em que éramos audazes. Sim, eu sei quando choraste porque eu chorava contigo sem saberes. Mas, na saúde e na doença, lá fomos andando. Nem sempre direitos, nem sempre na velocidade certa, mas andámos. Andámos felizes como poucos se podem orgulhar. Fomos a bengala um do outro. Foste a parte mais preciosa da minha vida. Deste-me tudo o que eu não te pedi.
Não tivemos os filhos que eu tanto queria, é certo, mas bem se vê que não fez mal. Fomos felizes todos estes anos como, eventualmente, não poderíamos ter sido se, por entre esta vida de beijos e cumplicidades, três garotos se metessem entre nós. Não podíamos adormecer abraçados e acordar de mãos dadas, à hora que nos apetecesse, se os três rapazes que eu tanto queria nos atropelassem o romance. Três, eram três rapazes com que eu sonhava. Mas sonhei sozinha, bem sei. E sozinho não se conquista o mundo.
Quero apenas dizer-te que, contra todas as probabilidades, conseguimos ser felizes. Eu sem dúvida que o fui. Creio que não erro se disser que também o foste ao meu lado. Que te tratei como o melhor dos homens merece ser tratado. Que te soube agradar nas loucuras de quando era nova mas também soube envelhecer e ser a senhora polida de que te podias orgulhar. Soube dar-te tudo como mulher, como amiga e até como mãe. Porque os homens precisam de uma mãe até morrer, soube-o desde cedo, mal te conheci. Como tua mulher, bem sabes, houve um mundo de coisas difíceis que te exigi: um abraço e um beijo na hora de deitar e um brilho nos olhos, todas as manhãs, ao acordar. E eu sei, meu amor, eu sei, que esse brilho nem sempre foi fácil. Nem sempre foi sentido. Mas agradeço todos os dias o esforço que fizeste por não me desiludir, e a força de vontade em me fazer feliz.
E fizeste, meu amor. Te garanto que fizeste.

Com esta idade, e prevendo que a meta está já ali, tenho apenas o desejo de que os nossos fins se encontrem, e possamos partir juntos, como seria justo em qualquer casal que se ama."






14.11.12

Culpa de um não-amor




Agoniada paixão que finjo sentir,
Exorto sentimentos que não tenho.
Alimento ninhos ocos que morreram.
Reprimo desejos desfasados.
Olho nuns olhos negros de remendos.
Tenho instantes longos de um não-amor.

Malogrado momento em que te vi.
Desesperei por coisas que não tinha.
Fui fingindo eflorescências que não o eram.
Combati bateres de asas que viviam.
Matei cantares que entoaste para mim.
Calei amarguras lindas que não sentia.

Morreu o beijo desesperado por sentir.
O toque irado da pele nunca o chegou a ser.
A vontade negra de sorrir nunca se coloriu.
Os brilhantes lacrimejares foram de culpa.
Dormências senti mas não de amor.
Desmoronei a verdade de te amar por nunca te ter amado.




12.11.12

Eu sei que não sou mãe





Ando há meia-dúzia de anos a ouvir isto: “Isso é porque não és mãe”. 

Eu sei que não sou mãe.
Mas obrigada por me lembrarem disso com tanta regularidade. Nunca se sabe! Nunca se sabe, se me dá algum ataque de demência e começo a ser uma pessoa sensível. Sim, que só é sensível quem é mãe ou pai, e o resto (esses miseráveis que não procriam) são uma cambada de monstros que não sofrem com a queda do psi 20, apenas porque não têm a sensibilidade de quem é pai. Nem sofrem com a procriação em cativeiro do Panda gigante, como única resposta em pleno século XXI para travar a sua extinção, porque não são pais. De repente, só se pode apreciar uma pintura de Monet porque se é pai. Só pode dizer que lhe doem as mamas quem já foi mãe. Só se pode queixar de estar cansado quem é pai. Só se pode chatear com as contas elevados de supermercado quem é pai. Só pode ficar irritado com faltas de educação quem é pai ou mãe… Cristo! Apetece-me dizer que afinal isto de ser mãe ou pai só traz é desgostos porque, afinal, só eles é que se podem (e têm todo o prazer nisso) queixar.
“Não és mãe? Ah, pois temos pena. Estás-te a queixar de quê? De que tens um joanete? Devias experimentar ficar com um períneo todo rasgado. Sim, porque eu sou mãe e por isso sei o que é sofrer”.
Epá, boa sorte mais a esse prazer todo em dizer que se vive na desgraça porque se teve a graça de ser mãe.

Eu sei que não sou mãe.
Ainda não percebi porque é que insistem tantas vezes em lembrar-me disso. Em lembrarem-me ou em julgarem-me, porque por vezes a diferença é muito ténue. Basta uma pequena alteração no tom de voz ou no ritmo com que se dizem as coisas para passarem de um “isso é porque ainda não foste mãe” para um “ (cala-te já sua anormal, que não fazes puta de ideia o que é andar nove meses sem mandar uma queca em condições na esperança que venha daí a melhor coisa do mundo e afinal isto só dá é dores de cabeça e noites mal dormidas e ainda mal consigo chegar com a mão ao cu sem me doer qualquer coisa, e já passaram dez anos, e estás tu praí a falar como se soubesses o que é a vida) isso é porque ainda não foste mãe”.
Minhas senhoras, importam-se de não discriminar a minha ausência de crias e me subestimarem por isso?

Eu sei que não sou mãe.
Crucifiquem-me por isso. Crucifiquem-me por pensar que os miúdos dormirem na cama com os pais até aos seis anos é o maior tira-tesão da história da humanidade e que “se fossem meus não fazia assim”.
Matem-me por pensar que se um filho meu com dois anos me levantasse a mão, eu não ia achar graça porque “já tem imensa personalidade e opinião”.
Mandem tirar-me os ovários por eu achar que as cesarianas são a melhor invenção do mundo e que os leites artificiais são o LSD deste século.
Retirem-me a guarda dos meus futuros filhos no dia em que lhes der uma palmada porque faltaram ao respeito a um adulto.
Mandem-me para a Fossa das Marianas por, apesar de não ser mãe, poder ter opinião sobre os mais variadíssimos assuntos. Melhor: precisamente por não ser mãe, consigo falar de outros assuntos. Boa!?

Eu sei que não sou mãe.
Mas e se fosse? Ia ser pior que as outras?
Não há mestrados nem doutoramentos em maternidade e, até que alguém me prove o contrário, ninguém sabe o que é ser mãe até o ser. E mesmo depois de os parir há algumas pessoas que revelam aptidões naturais para o ser e outras não. E no entanto, não há nenhuma espécie de controlo nisto. Não são divididas as potenciais boas mães das más mães, em exames médicos, logo à nascença. As más pessoas também são mães. E isso faz, à partida, que elas sejam pessoas com opiniões mais credíveis e válidas que as minhas quando se fala de maternidade?
Sei que não sou mãe por muitas outras coisas que não têm a ver com a sensibilidade e moderação. Com paciência e amor incondicional. Acreditem, sei bem que não sou mãe, porque continuo a ficar menstruada, a gastar dinheiro em pílulas e a dormir bem todas as noites.
Sei que não sou mãe mas sei que sou uma pessoa como qualquer outra e isso não faz de mim menos competente e menos apta para viver em sociedade.

Eu sei que não sou mãe.
Mas fiquem descansados porque eu até quero ser mãe. Se há coisa de que não me importava mesmo era de ser mãe. Importo-me com ter de pagar IRS e IVA e essas merdas que ninguém compreende muito bem mas com as quais se cumpre. Importo-me de ter de fazer dieta há vinte anos e estar cada vez mais lontra. Ultimamente até me importo com um fungo numa unha do pé que me impossibilita de dar os dedinhos a chupar. Agora ser mãe… não me chateava mesmo nada mas ainda não o quis ser (sim, desengane-se quem pensa que não sou porque ninguém me salta para cima). É uma opção de vida como qualquer outra. Como fumar, viajar ou gostar de levar pornografia para a casa de banho. Posso?
Eu sei que não sou mãe e não me venham com as teorias que é disso que preciso. Que esta genica toda se acaba com o amolecer da maternidade. Eu quero lá acabar comigo e condenar-me ao único e exclusivo papel de ser mãe? Que falo como falo porque quero muito, muito, muito, ser mãe e não consigo (eu vou treinando meus caros, eu vou treinando! Mas não preciso arriscar o último lugar nos Mundiais quando estou em primeiro lugar na Distrital).

A sério minha gente: não podemos conversar sem me atirarem à cara que não compreendo determinada situação porque não sou mãe?


5.11.12

Ser puta




Isto de ser puta, nunca foi fácil.
Uma puta tem que estar sempre disponível para tudo e para todos. O telefone está sempre ligado, toda a gente sabe a sua morada, toda a gente lhe conhece o carro e toda a gente sabe que pode aparecer quando precisar e bem lhe apetecer.
Puta que é puta, abre a porta de casa ou do carro a toda a gente. Boas ou más pessoas. Puta das boas deixa que toda a gente lhe entre pela vida. E nem precisa de mordomias. Abre a porta sozinha, está sempre de sorriso na cara, nunca diz que não a nada e no fim ainda agradece que a tivessem fodido.
Puta, com muitos anos disto, é aquela que atura os trastes e as pessoas porreiras. É aquela que não discrimina. É aquela gaja que aceita as diferenças dos outros. Que aceita a vida dos outros. Que aceita o passado dos outros. Que aceita estar no presente e no futuro da vida dos outros apenas quando estes precisarem dela e não por gostarem dela. 
Puta profissional é aquela que não chateia ninguém ao telemóvel, que não procura os seus clientes, mas espera a toda a hora chamadas de socorro para um consolo rápido. E vai. Vai, trabalha bem e deixa a pessoa satisfeita. Depois volta para casa arruinada, cheia dos problemas dos outros, minada de doenças que se propagam até ao inconsciente, com dores no corpo todo e sobretudo na cabeça. Ocasionalmente sujeita-se a voltar para casa com dores nos maxilares de tantos murros que levou nas trombas e de tantos broches que teve de fazer. Mas uma puta tem sempre de sorrir. 
Amanhã é outro dia, a malta que a fodeu ontem já se esqueceu e, portanto, não irá compreender porque é que, apesar de lhe terem ido às trombas, mesmo assim não ri.
Porque se há uma vaca que ri, uma puta tem de rir muito mais.
Uma puta como deve ser, fala pouco e trabalha muito. Os filhos da puta (não desta em questão!) lá se podem aliviar como bem entenderem que a puta resolve tudo. Alguns deles usam as putas para desabafar sobre os monos que têm em casa, no trabalho, no ginásio. Por vezes até fazem confidências sobre a sua intimidante e a puta nunca pode desviar a sua atenção da conversa ao mesmo tempo que percebe que está a ser enrabada. Tem de ser multifacetada e estar preparada para todo o tipo de encavadelas, broches e enrabanços. Falam lá da vidinha deles, até chamam putas às mulheres que escolheram, e depois do serviço feito voltam para as suas casas mais aliviados.
Puta que é puta diz sempre que gostou muito, dá sempre um desconto a tudo e sai a sorrir sem aceitar boleia. E puta que também tem sentimentos deixa a pessoa seguir a sua vida sem exigir que alguém lhe pergunte um dia se está tudo bem. Uma puta aguenta!
Puta à séria, está cravada de sentimentos para aguentar a choradeira dos virgens mas nunca se queixa de quem a viola. A puta só pode ter sentimentos para os outros mas nunca pode pensar que alguém se lembra dela.
Isto de ser puta tem muito que se lhe diga porque um dia a puta vai querer deixar de o ser, e já não vai conseguir sair dessa vida. Às tantas, dá por si a gostar de ser puta e a pensar que toda a gente devia ser puta de vez em quando. Só para saberem que há um lado de desfrute para quem é puta. Mas as putas não são bem vistas, porque ser puta dá muito trabalho e poucas alegrias.
O dia em que a puta quiser deixar de ser encavada por todos, todos irão achar muito estranho e atirar-lhe à cara que é uma ingrata. Que teve sempre quem a sustentasse e agora já não o quer. Vão pensar que tem a mania das grandezas e que já não quer ser puta mas sim, ser apenas mais um deles.

Hoje vieram ao cu a esta puta e doeu.
Mas amanhã, como já ninguém se vai lembrar, convém continuar a sorrir para não pensarem que eu tenho a mania que ninguém me pode foder e que afinal já não quero ser puta.



4.11.12

albus albus




Desta paz que assalta os tempos,
Adormecem-se as vontades,
Esclarecem-se as verdades,
Erguem-se muros de calma,
Abrem-se os olhos da alma,
Vive-se livre em pensamento.

Deste vida que se crê presa,
Que se soltem as amarras.
Que se baixem retaguardas,
Que se viva sem amparos,
Que se adocem os amargos,
Que se caminhe sem represas.

Desta calmaria branca e estéril,
Feita para sossegar os seres,
Destinando-os aos prazeres,
Que se assumem as paciências,
Que se respeitem as divergências,
Caiam muros e paredes.

Augure-se apenas o que é são.
Escale-se a liberdade com paixão .
Abram-se os homens para amar.



2.11.12

Vamos brincar?


Retirado daqui... 
Texto - Dias Cães   |    Foto - Jon Gavin



Toca-me aí.
Mais.
Mais, não ouves?
Estás armado em quê?
Tens medo?
Vai, toca-me mais fundo.
Com mais força. Toca-me aí mesmo.
Ai, sim, aí. Tu sabes como fazê-lo. Então faz. Faz. Faz!
Incompetente. Queres que te bata?
Faz! Mete-te bem dentro de mim! Toca-me com força!
É isso sacana? Queres mesmo que te bata?
Deita-te na minha frente como um cão. Não te julgues mais que isso. Cão.
Agora olha-me e pede clemência. Daí de baixo. Do teu lugar de cão.
Implora para que eu não te obrigue a tocares-me, lamberes-me e consumires-me.
Com essa língua que sei ser, absurdamente, dura e húmida.
Rasteja para que eu não te obrigue a morderes-me os mamilos até que eu grite.
Até que eu grite e gema e sue.
Até que eu me abra cada vez mais para que me comas sem cuidados.
Vem, come-me agora.
Não consegues?
Não queres?
Cala-te e fode-me.
Não chores de medo.
Chora apenas quando te doer o corpo de tanto te bater. De tanto te fornicar.
Irás chorar por não quereres mais.
Vem. Vem chupar-me mais. Não és capaz? Espreme-te, Esforça-te.
Vai. Dá uso a essa língua.
Não chores filho da mãe. Porque raio choras, seu estupor?
Mete essas mãos em cima de mim e açoita-me.
Bate-me mais. Mais. Antes que te bata eu a ti.
Mais, vai. Bate-me mais, mais. Mais!!!

Foda-se.
Então cabrão?
Morreste?