28.2.12

Ser homem


Porque vos admiro:

- São pragmáticos. Não complicam o que é simples.
- Não brigam por tretas e rapidamente fazem as pazes.
- Para vocês nem são pazes, apenas nos dão razão para não se chatearem mais.
- Aliás, vocês não brigam: defendem um ponto de vista.
- (E quase sempre têm razão). 
- Pensam menos. Agem mais.
- Não perdem tempo com gente que não interessa mas, quando precisam de o fazer, desembaraçam-se depressa e de modo limpo.
- São sempre porreiros entre vocês. Aplaudo a solidariedade masculina. 
- Pulam a cerca sem pesos de consciência (e por mais que eu abomine isso.... Caramba! Secretamente também gostaria de o fazer).
- Acham sempre que são grandes mestres de culinária sem o serem. Agrada-me que pelo menos nisto tenham espírito de iniciativa.
- As nossas mães gostam sempre mais de vocês, do que as vossas mães gostam de nós. E vocês tomam sempre o partido das mães. Isso é bonito! Afinal de contas, estão a defender o que é verdadeiramente vosso.
- Esquecem-se sempre de comprar presentes mas sabem sempre assumi-lo com um ar engraçado. Além disso já ninguém espera melhor de vocês. Estão sempre perdoados.
- Quando fazem malas de viagem limitam-se ao kit básico de sobrevivência. Não levam dez pares de cuecas para três dias de férias.
- Não se preocupam com limpezas e arrumações da casa. Há coisas mais importantes para fazer na vida.
- Compram uns sapatos quando precisam e raramente o fazem por mero capricho.
- Se vão comprar uma camisola azul, não pedem para ver a amarela, a verde e a vermelha.
- Não gostam de fazer a cama, assumem-no e não a fazem. 
- Gostam e gozam mais das coisas boas da vida.
- Pensam menos no futuro e vivem em grande o presente.
- Ninguém vos vai apontar o dedo se não fizerem a barba, não se depilarem ou tiverem olheiras.
- Não sabem o que é estar menstruados, ter dores de ovários, ou viver com a preocupação de tomar a pílula.
- Não se preocupam com casamento e filhos, porque deixam em aberto que a realização de uma vida possa vir por outros caminhos.
- São pouco esquisitos com a bebida, com a comida, com o tabaco... e com as mulheres.
- Têm sempre cerveja no frigorifico. Em caso de faltar a água pelo menos não desidratam.
- As vossas crises de meia-idade são mais hilariantes que as nossas.
- Com a idade vocês vão precisar de Viagra por boas razões, enquanto nós vamos tomar Xanax para deixarmos de as ter.


Parece que agora tenho de fazer a ressalva de que não se trata de um texto sobre as características gerais dos homens. Comecei por frisar que estas são as razões "Porque vos admiro"... Por mais idiotas que sejam, são as coisas que vejo nos homens que me fascinam.







24.2.12

A meretriz de Lúcifer



A mala de viagem está pronta e eu estou aprumada para ir ao encontro do meu capeta. O body de renda vermelha está a postos. Os sapatos vermelhos em verniz já têm os saltos afiados. O batôn escarlate já me consome os lábios famintos. O cinto de ligas já me risca as nádegas. As meias de seda já me constrangem as coxas. O colar de pérolas ironiza-me o pescoço. O meu cabelo vermelho putifica-me o rosto.
Este cabelo da cor do fogo fica-me bem. Ele já me o disse. Todos os que me comeram antes dele me disseram o mesmo. Gostam dele assim: da cor das brasas que exibem entre as pernas.
Ele gosta deste cabelo oblíquo, por ser do tom das chamas que fazemos quando nos deitamos sobre o enxofre. As chamas de quando me salta em cima e fricciona a sua pele de besta sobre a minha pele de cabra. Ele, que tem bravos cornos afoitos ao vermelho, sempre o frisou: - "O teu cabelo queima-me o tesão, sua cabra desmamada".
Talvez por isso e por me saber tão imprópria de comportamentos e de carnes tão comidas, não hesitou em querer-me sua. Lá de baixo, bem do fundo dos quintos, olhou-me como a peça de arte que lhe faltava e constatou: "Ainda não tenho uma desvirtuada como esta".

E, no encontro com o portão da sua propriedade em chamas, ordenou-me de pecado quente nos olhos:
- "Entra querida. Depois de tanto pecares na terra onde achas que te iria deitar agora? Uma puta como tu só tem um trono para fornicar. O meu."


Ironias à parte, graças a Deus que vou parar ao Inferno.



22.2.12

Aos embeiçados, comprometidos e casados!



Não há outra maneira de dizer isto: Epá, larguem-me a baínha da saia!

Eu era daquelas que passava a vida a chorar-se por causa de não ter homem: "Ninguém gosta de mim"; "Ninguém me quer"; "Ai de mim que sou tão infeliz", blá blá blá... Já não havia cú para esta conversa.
Cansei! E no dia em que cansei de ser lamechona, e passei a ver a vida pelo lado divertido, percebi que o que não faltam por aí são homens. Alguns trastes canastrões, outros que são apenas gajos e outros são apenas coisas. Mas há por aí muitos homens para todos os gostos e feitios. Uns para a brincadeirinha, outros para a conversa, outros para ir jantar fora e, pasmem-se, até há os que conseguem fazer as três coisas num só dia. A verdade é que já não me queixo da oferta. A qualidade é outra história. Mas quantidade vai havendo.
Primeiro ponto verificado: Há muitos homens livres, mesmo que desinteressantes. Agora os homens bons, esses já foram apanhados.


Mas o que me faz mesmo sair do sério, neste mercado aberto que é a procura entre seres humanos para sair, namorar, casar, procriar, divertir... é mesmo a falta de seriedade e de honestidade.
Meus senhores, se são casados, comprometidos, em vias de se comprometerem, simplesmente embeiçados ou ligados emocionalmente a alguém: RETIREM-SE DO MERCADO, POR FAVOR!
Segundo ponto verificado: Os homens comprometidos ou casados já não gostam assim tanto de estar comprometidos ou casados.


Ora vamos lá ver minha gente! Não me venham com a conversa da normalidade da bigamia no mundo animal, porque há muito que não queremos ser comparados com os macacos. Não me venham falar de necessidades, porque essas até sozinhos as tratam. Não me venham com a conversa da genética e das hormonas, quando depois só querem ser homens para algumas coisas. 
Sejamos todos realistas. O que procuram é alguém que seja uma lady na mesa e uma louca na cama, princesa de dia e vadia de noite, silenciosa à luz do sol mas irrequieta à luz da lua.
Sejamos ainda mais dolorosamente realistas. O que acabam por arranjar são apenas mulherzinhas cinzentonas que não concebem ser mães, mulheres, donas de casa, trabalhadoras e, simultaneamente, umas grandes malucas com os seus maridos. Há todo um decoro, que ninguém lhes pediu, que insistem em ter depois do casamento e que vos deixa completamente lixados e com duas mãos muito ocupadas a partir daí.
Pois é! Ninguém vos avisou mas suponho que anos de observação do que se passava com outros casais mais velhos vos devesse ter dado a pista de que as mulheres mudam. Mudam com o casamento, com a maternidade, com o período, com a subida do preço do leite, com os sapatos novos da vizinha do 1º Esquerdo. As mulheres mudam, e raras vezes é para encarnarem o papel da amante desenfreada.
Terceiro ponto verificado: Não conseguem viver sem sexo mas procuram mulheres para casar que, previsivelmente,  não o apreciam e que, com o passar dos anos, o tendem a achar nojento e desnecessário.


Voltemos atrás para ver então o que é que se podia ter feito para evitar esta grande desgraça em que as vossas vidas se transformaram, apenas porque as pernas das vossas mulheres se deixaram de abrir.
O que falhou foi, em tempos, quando ainda podiam escolher, terem querido a princesa que não vos faz frente. Que não faz os olhos dos amigos a "scannarem" de cima abaixo. Que não tem opinião sobre as notícias do mundo. Que não se ri em voz alta num bar. Que se arranja como a vossa mãe, porque isso é o que conhecem como seguro.
Mas salvo raras excepções, quem é que as escolheu, quem foi? Eu não fui com certeza. 
Alegrem-se pelas vossas opções. Afinal de contas em tempos acharam-se os maiores, não foi?
Quarto ponto verificado: Pensem nas vossas opções. O que é que é relevante para vos fazer felizes. O que vos faz acordar de bem com a vida e ter vontade de ir para a cama ao fim do dia. São homens, por amor de Deus. Querem sexo! Será que nunca pensaram nisso?
Deviam ter procurado alguém que preenchesse também esse requisito, já que em tudo o resto foram tão criteriosos.


Finalmente, faço uma declaração de reprovação àquilo que tenho vindo a assistir da parte destes homens que pensavam ser felizes e não o são. Por culpa das opções que fizeram no passado. Por culpa das freiras com quem casaram. Por culpa do universo, está-se mesmo a ver, porque no final de contas ninguém tem culpa a não ser o destino. É mais fácil, porque esse não está cá para se defender.
Reprovo os comportamentos deles e delas, mas angustiam-me as atitudes deles porque sou mulher.
Se não estão bem ponham-se. E se estão declaradamente mal, não arrastem ninguém atrás de vocês. Sejam homens uma vez na vida e tomem as tais decisões que se esquivaram de tomar lá atrás. Saibam optar apenas por um lado e não queiram o melhor dos dois mundos. Porque as mulheres, aquelas que mudam muito, uns dias são gajas porreiras para dar umas voltinhas mas no outro também vão querer casar. Porque, caso não saibam, há mulheres que são efectivamente ladys na mesa e loucas na cama... para todo o sempre, para os seus exclusivos maridos!
Como mulher sinto-me ofendida por ser posta de parte para levar ao altar mas ser a mulher perfeita para levar ao motel. Como mulher que sabe fazer tudo, não depende de ninguém e é senhora do seu nariz, só posso lamentar que, ter outros predicados, seja visto como um entrave na hora de me levar a sentar à mesa dos sogros na noite de Natal. Não estarei enganada se disser que existem mais uma legião dessas mulheres que valem tudo mas apenas insistem em ver-lhes o nada. 
Quinto ponto verificado: Há mulheres completas neste mundo. Escolham-nas como as legitimas. Não como amantes. Sejam inteligentes uma vez na vida e isso terá repercussões pela vida toda.


Mensagem final:

Não sou santa de altar para me andarem a pedir por amor de Deus para lhes dar o jeitinho. Para lhes dar um bocadinho do amor que não têm em casa e, já agora, dar também um bocadinho do corpo que as mulheres, com o passar dos anos, tão pudicamente lhes vão recusando.
Não sou santa nem sou pêga, para andar a aturar cenas destas, até porque qualquer uma delas se faz pagar e bem, seja em donativos ou remuneração. 
Mas sobretudo, estou tão interessada em ter problemas com homens comprometidos e com a minha consciência, como em beber um garrafão de aguardente. Por isso voltem às vossas casas, façam O amor com as vossas mulheres e façam as pazes com as vossas vidas. 
Sintam-se desde já evangelizados por mim, já que de mim não vão ter mais nada.






21.2.12

Mais




Mais um romance. Mais uma paixão. Mais um amor. Mais um encontro. Mais mensagens. Mais chamadas. Mais arritmias. Mais um olhar. Mais um abraço. Mais sorrisos. Mais palavras. Mais carinho. Mais vontade. Mais alegria. Mais compreensão. Mais prazer. Mais emoção. Mais adrenalina. Mais diversão. Mais desejo. Mais sonhos. Mais insónias. Mais riscos. Mais medos. Mais incertezas. Mais pensamentos. Mais questões. Mais se's. Mais tremores. Mais ansiedade. Mais lágrimas. Mais tristeza. Mais arrependimento. Mais consciência. Mais decisões. Mais dor. Mais um fim.





19.2.12

Escrita Online...

E chegou ao fim a primeira edição do Concurso de Escrita Online que decorreu durante 6 semanas.
Apesar de ter sido quem venceu mais desafios semanais... a pontuação não chegou para vencer a final no Concurso de Escrita Online. Podem reler os textos vencedores do "Dias Cães" aquiaqui e aqui.
Mais um 2º lugar.... 
Posso ficar um bocadinho amargurada, posso?

Para terminar deixo o texto "Quero beijar-te em Paris" em resposta ao último desafio: "Exponha ao júri as razões pelas quais deve vencer o concurso".

Fui lamechas, tive o retorno. Abri o coração, levei a machadada. Quis viajar até Paris, condenei-me a não sair daqui.




Quero Beijar-te em Paris





A razão para querer vencer é mais que antagónica a toda a minha participação aqui: Porque desta vez quero ver a cores, em vez de ver a preto e branco.

Como puderam constatar ao longo destas semanas, o meu lado sombrio suplantou qualquer veia romântica que devesse ter. Este meu lado insaturado não ganha cor porque as minhas emoções há muito que estão trancadas num coração seco. Desidratado como se tivesse sofrido uma dissecação. Porque há muito me impus não abrir as artérias a sorrisinhos e alegrias.
Contudo, há algumas semanas atrás, este inútil coração, foi arrombado e rasgaram-lhe os caminhos até ao seu interior. Deixei entrar vida. Ganhou cor. Perdi-me de amores. O meu coração conquistou outro pelas palavras, ainda antes de essa pessoa me conhecer o rosto. Ainda antes de trocarmos o primeiro olhar. Mesmo antes de conhecermos a voz um do outro.
Quando ele me conheceu as palavras, e eu lhe respondi com escrita, referi-lhe a indecisão em me inscrever neste concurso. Ele foi o empurrão. De seguida demos o passo de nos conhecermos pessoalmente. Chegámos à conclusão que as palavras foram poderosas mas havia muito mais em comum.
Por alimentar todos os clichés românticos que tem em si, e por me querer contaminar com os seus sonhos, prometeu-me amor às custas de eu me revelar ao mundo, com as palavras pelas quais se apaixonou.
E isso colocou-me aqui. Isso e a promessa de amor que se lhe seguiu. A promessa de me colorir a vida através da boca que não consegue proferir as palavras que as mãos melhor escrevem. Quer fazer-me acreditar que a paixão começa no coração, passa pela boca e explode no cérebro.
Quer mostrar-me que já entrou pelo coração e agora quer prosseguir caminho até ao patamar seguinte. Quer conquistar-me os lábios. Quer que eu conquiste uma vitória neste concurso através dos seus lábios.  
Quero mesmo ganhar porque, inesperadamente, me sussurrou ao ouvido num tom lânguido:
- “Se ganhares prometo-te: Beijo-te em Paris”.

Por isso, para mim, não se trata apenas de obter um prémio. Trata-se de ganhar cor. Trata-se de dar uma oportunidade à minha vida. Trata-se de conhecer, pela primeira vez, o amor para além das palavras.




16.2.12

As muitas mulheres que eu sou



Em apenas um dia consegui ser:

1. Lasciva
- "Queres que leve as algemas ou tens as tuas?"

2. Compreensiva
- "Não há problema. Só o vamos fazer quando estiveres preparado."

3. Romântica
- "Quero ser uma coisa boa na tua vida."

4. Simpática
- "Quem te disse que não és bonito?"

5. Prestável
- "Posso desapertar-te as calças?"

6. Cabra
- "Vamos para o banco de trás..."

7. Sonsa
- "Eu vou compreender quando quiseres terminar com tudo."

8. Mentirosa
- "Amo-te."

9. Lamechas
- "Quero aquecer os meus pés nos teus."

10. Corajosa
- "Eu sei que não podes fazer 200 km. Dentro de duas horas estou aí."

11. Louca
- "Quero-te dentro de mim."

12. Genuína
- "Não te posso pedir que mudes de vida por mim, porque não tenho nada melhor para te oferecer."

13. Sensível
- "Eu vou esperar por ti. Porque te adoro."

14. Confidente
- "Pede-lhe para ir a um ginecologista. Ou aguenta mais uns meses. Pode ser que entretanto lhe apeteça".

15. Tolerante
- "Não me importo que sejas casado, desde que chegues sempre para mim."




.

12.2.12

Escrita Online...



Posso ficar vaidosa? Posso?... Sim, posso.

Pela 3ª semana consecutiva, o "Dias Cães" conquista o 1º lugar do concurso de escrita criativa, com o texto "Não devia ser amor".


Para a semana chega ao fim este desafio semanal e já sinto saudades.


Nunca é demais agradecer à organização e ao júri do concurso.
Podem acompanhar o concurso e os textos vencedores aqui http://escrita-online.blogspot.com/




10.2.12

A um dos 7...




Sei que apenas assim me poderás ouvir. Por isso ouve. Por isso lê-me em silêncio. Ninguém saberá que conversamos. Estamos apenas aqui os dois. Como nas noites solitárias em que nos fazemos companhia.

Aquilo que leste aqui foi apenas uma fase, que nunca te neguei nem escondi ter acontecido. Aquilo que leste e te magoou ficou lá atrás... Muito atrás dos dias de felicidade que, entretanto, enfrentamos. Que pelo menos eu enfrento.
Volta a olhar-me como a pessoa linda que me disseste ser. Reencontra em mim a mulher que mereces ter.

Porque no meio é que está a virtude, és agora o único nome que quero em mim. Todos os outros já caíram por terra. Porque és o único que conhece o imagem da cama onde me deito, não desista de lhe vir a conhecer também o caminho.




8.2.12

Não devia ser amor




Nascemos com poucos dias de diferença. Crescemos lado-a-lado na mesma rua em que o alcatrão quente de Verão nos marcou os joelhos das muitas brincadeiras que arriscávamos. As frutas, que colhíamos das árvores dos nossos quintais - e que roubávamos dos nossos vizinhos quando as nossas não eram doces - nunca discriminaram a boca por onde andavam. Acolhiam a minha e depois a tua, queimando-nos a saliva da castidade. Ainda brincávamos com o fogo quando, para nós, este ainda não se escrevia com a realidade. A nossa inocência não nos fazia ver, nem prever, que o que nos unia naquelas galhofas, com os sucos das frutas que nos lambuzavam as caras, ia muito além de brincadeiras de crianças. Aquelas coisas que sentíamos na barriga não eram maleitas de infantes nem excesso de açúcares. A barriga tremia porque nos aproximávamos dos anos em que nos poderíamos desfrutar em pleno. Sem preconceitos. Sem barreiras. De vez em quando um olhar trocado denunciava-nos. O toque de mãos acidental, deixava de o ser a cada transpirar de ansiedade. A cada inspiração ofegante de medo. Os nossos corpos pediam-se a cada passar de anos. As nossas bocas acabaram por se encontrar com a maturidade. Sabíamos que a idade nos iria libertar para viver esta grande paixão, que nasceu, crê-se hoje, ainda nas barrigas das nossas mães, quando se juntavam à conversa de braços estendidos sobre o muro.
Mas nunca as nossas mães se teriam rido e conversado sobre aquele muro se soubessem que um dia nos amaríamos tão inesperadamente. Se adivinhassem que o que trocávamos, além de brinquedos e risadas, eram também arritmias de coração. Nunca se teriam olhado sequer de frente. Fomos a vergonha das nossas mães. O nosso amor foi o maior terror das suas vidas. O nosso amor foi a tua e a minha salvação.
Sem ti não saberia o que é o calor de uns pés debaixo dos lençóis. Nem o cheiro do pão quente de manhã, servido na cama. Não saberia a que sabe um beijo de madrugada enquanto fazemos amor bem devagar. Olhos nos olhos. De sorriso nos lábios. De pele suada.
Não saberia nada disso porque apenas tu poderias compreender o que surpreende uma mulher. O que é o desejo de uma mulher. Como se ama o corpo de outra mulher. Apenas tu, minha adorável mulher, poderias saber como me amar por teres um corpo igual ao meu.




7.2.12

0 1º Cão


E há 1 ano atrás começavam assim os "Dias Cães".
Felizmente eles correram muito e evoluíram. Correram tanto que completaram 1 ano sem eu esperar.
Faço aqui um balanço, deste ano incrível, em forma de lista de supermercado... como eu tanto gosto.


Atenção a todos porque, de algum modo, estarão por cá... porque neste primeiro ano:

- Aprendi o que devo e não devo dizer;
- Percebi que o que eu acho que se pode dizer não é o mesmo que os outros gostam de ouvir;
- Tornei-me mais livre e menos complexada no verbo e na acção;
- Fiz declarações de ódio por pessoas e situações;
- Soube enaltecer qualidades e defeitos de todos os trastes que me passaram pela vida;
- Escrevi um texto a cada um dos cabrões que não me soube amar;
- Escrevi hinos à amizade e de parabéns a amigos e até a um desconhecido;
- Escrevi a derradeira carta de amor à minha avó;
- Pedi desculpas a Saramago;
- Apaixonei e desapaixonei-me mil vezes;
- Falei dos hábitos peculiares, dos outros e dos meus;
- Meti o nariz em assuntos que não domino mas sobre os quais tenho opinião;
- Falei de amigos, inimigos, família e colegas de modo directo ou subliminar;
- Falei de Deus e o Diabo e continuarei a falar;
- Inventei cenários e mundos para me compreender;
- Investiguei temas para aprender e vos ensinar;
- Tive a prova de que sou mesmo a preto e branco e não a cinzento;
- Descobri que não sou depressiva mas melancolicamente triste;
- Passei a dormir menos para escrever mais;
- Recebi 16 000 visitas num ano;
- Inscreveram-se 35 seguidores;
- Ganhei novos amigos e admiradores;
- Fui a blind dates com seguidoras do blog;
- Ofereceram-me presentes de Natal;
- Fui chamada de "querida" (impagável, esta!);
- Recebi mensagens de apoio e admiração;
- Reconquistei amizades perdidas;
- Chegaram até mim velhos amigos de infância esquecidos;
- Ganhei o respeito de alguns;
- Perdi a máscara que tinha para outros;
- Denunciei o meu romantismo a todos;
- Mostrei que sou ressabiada com alguns;
- Escrevi com decoro mas também soube dizer "foda-se";
- Escrevi ficção mas soube ir fundo na realidade;
- Conquistei o 4º lugar num concurso de blogs nacional;
- Estou na conquista pelo pódio num concurso de escrita criativa;
- Editei um livro.

Se isto é um obrigada a todos?
Não.
É um Ámen.

Assim foi há 1 ano!


5.2.12

Escrita Online...



Inesperadamente, pela segunda semana consecutiva, o "Dias Cães" colhe ou louros no concurso do Escrita Online, com o texto "A Escritora", que aqui se apresenta numa versão mais longa que aquela que foi a concurso.

Mais uma vez obrigada à organização do concurso.

Podem acompanhar o concurso e os textos vencedores aqui http://escrita-online.blogspot.com/



4.2.12

Porque os Cães correm muito...






E eu acho que o devia ignorar. Devia mesmo. Afinal, ninguém comemora um muro de lamentações. Ninguém festeja um ano de emoções tão desacertadas. Qualquer um no seu juízo perfeito queimaria o diário da sua solidão.

Depois ocorreu-me que a vida destes Cães foi muito além do estimado. Que sobreviveram a todas as dores e se levantaram mesmo quando não tinham forças. E, melhor, pelo caminho foram levando muitas festas nas orelhas. Passaram-lhes muitas vezes a mão pelo pêlo. Ganharam novos donos a cada dia que passou. 

Por todas as pessoas que os trataram bem acredito, agora, que o dia em que nasceu o "Dias Cães" pode muito bem ser assinalado. Apenas como retribuição aos leitores. Aos 16 mil deste ano.

Por ser uma total inapta na arte de surpreender os outros e de lhes trazer a felicidade à vida, estou a partir de hoje aberta a sugestões para comemorar o dia 7 de Fevereiro.
O que é que poderei fazer, a partir do blog, para comemorarmos o 1º aniversário?
Pensei num dia aberto a questões... mas alguém quererá perguntar alguma coisa?


Melhores sugestões aqui na caixa de comentários, aceitam-se!






2.2.12

Queres brincar comigo?



Põe as orelhas de coelhinho. Vou pôr as minhas. Despe a roupa. Chega-te a mim. Puxa-me a saia para cima. Desabotoa-me a blusa. Mexe-me nas mamas. Estimula-nos a libido. Sente o meu cheiro. Toca-me cá dentro. Olha-me nos olhos. Beija-me a boca. Lambe-me o pescoço. Puxa-me o cabelo. Chama-me nomes. Monta-me na secretária. Possui-me agora. Vem-te rápido. Faz-me vir. Vem mais rápido. Mais rápido. Força. Vai. Vem. Vai. Vem…
Tira-me da secretária. Veste-te. Compõem o cabelo. Senta-te na cadeira à minha frente. Cala-te. Ouve-me. Temos de começar a reunião. Primeiro falo eu. Agora falas tu. Abre o dossier e diz-me as tuas dúvidas. Tens cinco minutos. Queimámos os restantes em sexo arriscado. 
Trata-me por você, como se não nos conhecessemos. Não sorrias. É uma reunião de trabalho. Mantém a compostura. Recolhe apontamentos. Nem levantes os olhos dos papéis. Escreve. Lê. Fecha o dossier. Levanta-te da mesa. Despede-te com um aperto de mão. Agradece a reunião. Encaminho-te para a porta de saída. Sai calmamente e sem manifestações. Faz de conta que a reunião te correu mal. Aliás, primeiro, faz de conta que tiveste em reunião.

Hei! E por favor não te esqueças: tira as orelhas de coelhinho… podem dar nas vistas.




1.2.12

A Escritora



Momento I
5152 dias.  Há 5152 dias que não via a luz do dia.  Há 5152 dias que não contava os dias e por isso lhes perdera a conta.  Não sabia quando começavam nem quando terminavam. Dormia quando os olhos se fechavam e acordava quando o ar lhe faltava. Não estava viva por instinto mas por falta de falência do corpo. Nunca foi por vontade própria que se manteve viva. Mas também não desejava morrer por não saber o que seria pior. Os olhos, cegos pela luz que não tinha, inibiam-lhe o caminho das mãos. Escrevinhava com as unhas grandes pelas paredes, mesmo no desencaminho das vistas. Comia coisas que sentia vivas entre os seus pés e os seus cabelos. Bebia a água fétida que escorria pelas paredes, em lambidelas, onde maltratava a língua, na aspereza do musgo que ali crescia. As suas entranhas travavam-lhe o alimento à boca mas empurravam-lhe as mãos revoltas contra todas as paredes. Escrevia cega. Escrevia desenfreadamente como se visse. Escrevia como se tivesse as mãos de fada de outrora, em vez das mãos de monstro que agora sentia. Escrevia primeiro com a cabeça e não com o corpo e talvez por isso não perdesse o rumo ao texto.
Para li fora empurrada há 5152 dias para escrever uma história única e, sem saber, assim o havia de cumprir. A história escrevia-se a cada segundo. A sua vida também.

Momento II
A vibração imensa das paredes parecia entrar-lhe no cérebro de uma maneira mortal. Ela bem sabia que suspeitava preferir viver num vazio, a ter de morrer, por prever que a morte podia ser assim cruel. Não ouvia qualquer ruído, há mais dias que aqueles que saberia contar, e por isso rendeu-se ao medo. Uma luz invadiu-lhe num ápice os olhos que acreditava cegos. Figuras de homens apossaram-se do espaço onde estava e entoavam palavras confusas. Pareciam felizes mas incrédulos. Quiseram tocar-lhe e ao mesmo tempo ceder ao espanto. Os focos de luz que apontavam sobre as paredes verdes e negras revelavam agora uma realidade dura a todos. A escritora que todos procuravam nunca se perdeu. Esteve sempre ali, naquelas paredes escritas à unha. Morreu apenas a mulher. Morreu a mulher escritora de preceitos rigorosos. Nasceu a nefelibata. Nasceu o que aquele antro conseguiu parir: a melhor escritora que o mundo havia de descobrir.


Momento III
A adorável jovem recebia os aplausos de todos os que se iam juntando ao auditório. Decididamente todos lhe reconheciam o talento e não estavam ali por outro motivo, que não fosse, dizer-lhe o quanto as suas palavras inspiravam todos, por esses pensamentos fora. Por esses corações adentro. Apesar de incrivelmente jovem, não sabia respirar mais nada que não fosse prosa intensa e bem estruturada. De bom cálculo gramatical e sem desalinho a apontar. O rigor pautava-lhe as linhas. Nascera uma daquelas figuras raras por entre os humanos. Criou-se uma escritora como nunca se havia visto. 
Talvez por tal cobiça ter sido tão propagandeada, a sua história pessoal foi travada por um episódio sórdido, demasiado real. Havia quem não soubesse parar. Provar-se-ia anos mais tarde que havia mesmo quem não soubesse distinguir a ficção dos livros da realidade da vida. Pois que houve, infelizmente, quem quisesse escrever história com as suas próprias mãos, sem recurso a caneta e papel, mas roubando anos a uma vida que tão bem escrevia.
Há 5152 dias, a escritora mais promissora da década foi aprisionada por um homem que a queria escrevente apenas para si. Há 5152 dias atrás conheceu a cave nojenta onde havia de escrever a sua obra-prima.