31.7.15

Ainda não me passou. Mas espero que passe.



Isto não vai ser um dia normal no Dias Cães porque se vai falar do filme da Disney Frozen.
Por isso não digam que não avisei logo no início. A partir daqui estão à vontade para ir à vossa vida fazer qualquer coisa mais interessante.

Aviso feito, vamos a isto.

Estou viciada na porcaria da música "Já passou" do filme Frozen. Assim mesmo, e na versão portuguesa. E estou viciada no vídeo. 
A culpada disto é (sem querer ser queixinhas) da minha afilhada de 4 anos e da gaita da Barbie que diz "Já passoooou" em cinco línguas diferentes quanto lhe carregamos no meio das boobs. Em francês então é delicioso. Quando a Barbie solta aquele "Delivré libéréééé´"... há coisas nas minhas entranhas que se movem para sítios melhores.
Posto isto, semeada a semente de uma Princesa Elsa loiríssima, lindíssima, num cenário de fadas e príncipes encantados num fundo azul cristalino, onde todos cantam que nem rouxinóis paridos por anjos em noites de lua cheia... eu confesso: cedi. 
Um dia, depois de estar com a miúda e de ter carregada nas boobs da Barbie uma dúzia de vezes, cheguei a casa e lá me fui agarrar ao Youtube.
Foi o princípio do fim.
Os senhores da Disney meteram droga naquilo, não meteram?
Eu cheguei - e aqui me confesso com a pouca dignidade que me resta - a só conseguir adormecer depois de ver o vídeo e ouvir a música. Incluindo um vídeo feito em 25 línguas. Uma coisa do outro mundo. É heroína, coca e haxixe tudo metido num só comprimido. 
Não me lembro de ter tido algum vício até hoje, para além do vício do açúcar, mas isto, garantidamente, está no grupo das dependências mais nocivas para a humanidade.
Para quem não viu o filme, que, entretanto, tive de ver porque não me estava a aguentar só com o videoclipe do "Já passou", devo dizer que existem ali momentos de pura macumba. Feitiçaria. Macumba, feitiçaria e drogas. Tudo metido nos nossos cérebros sem nos darmos conta. As pessoas que escreveram a história, os que desenharam e os que coseram aquilo tudo são pessoas que não querem bem ao mundo. São pessoas que vieram entorpecer os cérebros dos vossos filhos. De todos nós, aqueles idiotas que viram o filme para menores de 6 anos. De mim!

Depois de ter noção da dimensão que o Frozen tomou pelo mundo fora e na pequenada, sobretudo nas meninas, e de, eu mesma, ter sido colhida por essa seita do gelo, comecei a analisar o comportamento das meninas que amam a Princesa Elsa (sim porque a irmã Ana, a verdadeira protagonista da história, é como se fosse a sopeira aos olhos das criancinhas) e de analisar os momentos em que elas se emocionam no videoclipe, constatei que são sempre, exatamente, os mesmos momentos em que isso acontece. Inclusivamente eu, fico com as entranhas revolvidas nos mesmo momentos que as miúdas pequenas. Ora, isto não pode ser fruto do acaso. A Disney tinha de ter isto tudo muito bem estudado. Qualquer pessoa que coloque uma menina em frente do vídeo do "Já passou" há-de reparar nestes momentos fulcrais:
- O tirar da luva;
- O tirar da capa;
- O bater com o pé no chão e criar um cristal de gelo;
- O erguer do castelo de gelo com as mãos;
- (Agora o ponto alto para TODAS) O tirar a tiara e soltar o cabelo;
- O erguer ora um braço ora outro enquanto o novo vestido aparece;
- No final, o virar de cabeça poderoso.

Todas, mas todas as miúdas, mimetizam estes gestos do vídeo. Eu também. Aquela cena de erguer o castelo com as mãos e de soltar o cabelo e aparecer aquela trança tipo anaconda, sabe-se lá de onde, é de bradar aos céus.
O momento que se segue, em que a Elsa afirma segura de si "menina não vou ser!" é pura magia de MILF. Pois que em menos de nada, passa de enconada mal disposta a dona de bordel. Sem pudores, porque "menina não vai ser" ela enverga um vestido novo, passa pela clínica do Dr. Ângelo Rebelo e ganha umas mamas novas, e caminha que nem uma gata assanhada no meio do gelo, e dá-se, finalmente, o momento em que os pais suspiram e pensam: "Dassss... tava a ver que não..."

É um filme do caraças. Com uma banda sonora do caraças. Com uma mensagem do caraças (que criança nenhuma compreende). E com um grau de adição do caraças. Não via nada assim desde o Ben-Hur.


Só para finalizar, que eu nem sou critica de cinema nem nada mas...

Ó Disney, e se fossem levar no cu mais o estereótipo da gaja-boa-filha-da-mãe-com-happy-end?
Quer dizer, a Princesa Elsa passa metade do filme a ser FDP com a irmã. A irmã Ana passa o filme todo a ser uma bacana com a FDP da Princesa Elsa, e o que é que vocês fazem?
O mesmo que a Playboy.
Metem a boazona na capa porque é isso que vende.
E a inteligente e com sentido de humor vai para as páginas do fundo porque, em não mostrando o pipi, querem lá saber se ela até já leu a enciclopédia larousse toda de trás para a frente.


Agora tomem lá a letra, que, como qualquer boa mulher largada pelo marido e em crise de meia-idade diria: "Esta letra diz tanto sobre as nossas vidas".


A neve cobre a montanha esta noite,
Mas os passos são só meus.
Comigo só há solidão,
Sou rainha destes céus.
Cá dentro a tempestade que estou a sentir
Não a controlei, deixei-a sair.
Não vão entrar,
Não podem ver,
Sê a menina que tu tens de ser.
"Esconder,
Conter,
Ou saberão"
Mas foi em vão.

Já passou,
Já passou.
Não vivo mais com temor.
Já passou,
Já passou.
Fecha a porta por favor
Tanto faz o que vão dizer,
Venha a tempestade,
O frio nunca me fará estremecer.

Eu vejo que a distância
Vai tudo suavizar.
E os medos de outros tempos
Não me vão apanhar.
Ser livre assim
É mesmo bom.
Ver os limites deste dom.
Sem regras sou feliz enfim,
Sou sim!

Já passou,
Já passou.
Este é mesmo o meu lugar.
Já passou,
Já passou.
Não irei mais chorar.
Estou aqui,
E vou ficar!
Venha a tempestade!

O meu poder agita o ar que entra no chão.
A minha alma brilha em espirais até mais não.
O pensamento tudo irá cristalizar.
O que passou, passou
Pra trás não vou olhar.

Já passou,
Já passou.
Com o amanhã me vou erguer.
Já passou,
Já passou.
Menina não vou ser.
Este dia está a nascer!
Venha a tempestade!
O frio nunca me fará estremecer!



[Todo este texto e respetiva composição foi feito ao som do "Já Passou". Em repeat. Não digo quantas vezes por vergonha. A pouca que me resta.]


Dedicado à minha querida Maria Inês e à sua Barbie com mamas cantadeiras.

21.7.15

Mais um dia no escritório




Hoje no trabalho, só fiz maldades, só dei desgostos, só larguei bombas.

[Vocês às vezes portam-se tão mal. Vocês às vezes merecem tantos tau-taus.]



16.7.15

O coelho e o cavalo




co·e·lho
substantivo masculino

1. [Zoologia Mamífero roedor muito prolífero cuja raça selvagem, ou coelho bravo, escava luras nos terrenos arenosos e arborizados, e é a origem do coelho doméstico.
2. Carne comestível desse animal.
3. [Ictiologia Peixe parecido ao ruivo.
4. [Regionalismo]  Lombinho.

"coelho", in http://www.priberam.pt/dlpo/coelho


ca·va·lo 
substantivo masculino

1. Quadrúpede equídeo.
2. [Jogos Peça do jogo de xadrez.
3. Unidade de um corpo de cavalaria.
4. [Desporto Aparelho de ginástica destinado a saltos, que consiste num corpo de forma rectangular ou oval, estofado ou forrado a couro, assente sobre quatro pés extensíveis.
5. [Tanoaria Banco de tanoeiro.
6. Ferro com que se movem as peças quentes dos fogões de cozinha a lenha.
7. [Agricultura Tronco em que se coloca o enxerto. = Porta-Excerto
8. Cancro sifilítico.
9. [Física, Metrologia O mesmo que cavalo-vapor.
10. [Ictiologia O mesmo que peixe-galo.
11. [Popular]  O mesmo que heroína.
12. [Figurado]  Pessoa grosseira, sem modos. = Anima, Besta, Cavalgadura
13. [Figurado]  Pessoa que revela falta de inteligência. = Besta, Burro, Cavalgadura
14. [Popular]   [Jogos O mesmo que valete.

"cavalo", in http://www.priberam.pt/dlpo/cavalo



[Tinha este post alinhavado há imenso tempo mas nunca o publicava porque me faltava sempre o texto para a imagem e para o significado das palavras "coelho" e "cavalo". Queria encontrar ali uma metáfora qualquer que nunca encontrei.
Mas gosto muito da imagem e nunca apaguei a mensagem na esperança de chegar o dia em que faria sentido publicá-la. O dia chegou. Não exatamente pelas razões que eu imaginava, mas chegou.
Serve agora, então, como uma espécie de tira-gosto, aquela bebida com limão para limpar o palato entre pratos.
É que, assim-como-assim, sempre tiro as atenções do último texto sobre o acordo ortográfico e aquele chorrilho de disparates que se lhe seguiram.
A malta limpa o palato, saboreia uns coelhinhos e uns chochós, e a seguir já ninguém se lembra que o prato antes foi um borrego a saber a bedum.]



15.7.15

Acordo Ortográfico



Tenho um comunicado a fazer:

Bem sei.
Houve, tem havido e continuará a haver uma grande resistência na adoção do acordo ortográfico.
Pois tenho algo a revelar sobre esse assunto: já não aguento mais escrever das duas maneiras e neste blog adotar-se-á o novo acordo ortográfico sem pruridos nem lamentações. Mais vale enfrentar as coisas.

O que se tem passado nestes dois anos é que, no trabalho, há muito que adotei o acordo ortográfico mas na minha vida, digamos, civil, fui daquelas resistentes que foi mantendo os "c's" e os p's" e muitos dos hifens que, entretanto, caíram, e nem tenho uma explicação razoável para isso. Ou terei, mas não sei se é razoável. Sou apenas eu que demoro o meu tempo a adaptar-me às coisas, mas chego lá. E agora, depois de dois anos a escrever de uma maneira em casa e de outra no trabalho, acho que esse período de adaptação já está mais que ultrapassado.

Aqui no blog, até hoje, não assumi o novo acordo ortográfico mas sei que já resvalei numa ou outra palavra e tenho para mim que, a dada altura, ou se bem que é de uma maneira ou se bem que é de outra. Mixórdias é que não.
Por essa razão, e porque já ando há dois anos em constante luta, este blog passa a ser daqueles que não tem problemas nenhuns em deixar de escrever farmácia com "ph" e Vítor sem "c".
Os mais velhos perceberão.



14.7.15

Qual foi a coisa mais bonita que fizeste por ti?



[Eu disse que voltaria a este assunto e ao dia do meu espetáculo de ballet. Mas isto é coisa demorada. Deixei assentar as emoções para pode falar disto sem "saudosismos bacocos", como uma vez me acusaram de fazer. Um dia também hei-de falar sobre isso.]


Aos trinta e três anos achei que sim, que era a altura certa para aprender alguma coisa nova: porque não ballet?
Hoje sei, depois de oito meses de aulas, que não se aprende ballet com esta idade. Pode sonhar-se com isso, a pessoa pode gostar, esforçar-se, pode até ter uma queda, uma vocação que desconhecia e potenciá-la, mas jamais aprenderá ballet. Nem lá perto. Junte-se à inexperiência e à idade, o facto de eu ser a mais baixa e a mais pesada e está-se mesmo a ver que isto tinha tudo para correr mal.
Quanto mais penso no que me fez, de facto, iniciar-me no ballet com esta idade num grupo cuja média de idades ronda os dezoito anos, menos consigo encontrar uma justificação, uma razão, válida ou sem validade. Creio que me fico ali mesmo pela questão de querer fazer alguma coisa nova e que me desafiasse. Objectivo cumprido.

Há umas semanas tive o meu primeiro espectáculo. Uns dias antes ensaiámos oito a nove horas seguidas e, de repente, ali estava eu, num palco, com luzes, muitas horas de ensaio, muitas dores no corpo, 5 litros de água por dia, absoluto controlo alimentar, muitos joelhos fodidos (desculpem mas nem encontro outro termo) e muitos pés lixados/queimados. Ainda estão. Não sei se algum dia os irei recuperar. Muito desespero. Muitas brancas nas coreografias e muitos momentos em que parecia que já sabia tudo. Ia para casa e no dia seguinte já não sabia nada. 
Passei o tempo a lembrar-me daqueles concursos de dança em que eu não percebia porque é que aquela gente dava ao cu dois minutos e saíam dali a arfar, a suar em bica, a dizer que perderam 10kg numa semana, que foi a coisa mais dura que fizeram na vida, blá, blá, blá... e eu só pensava: "foda-se, esta gente não sabe o que é trabalhar, porque se soubessem não se queixavam tanto por dar ao caneco uns minutos e saírem dali a parecer que acabaram de parir o capeta. Cambada de aldrabões e preguiçosos". Pois bem, a minha vida profissional não é isto. Eu passo boa parte do meu dia sentada, com o nalguedo bem refastelado numa cadeira e os cotovelos apoiados numa mesa e os olhos colados a um ecrã. Literalmente de um dia para o outro, meto-me nesse mundo obscuro de tomar conhecimento da minha anatomia e, ainda hoje, estou a absorver o choque de conhecer coisas que eu não sabia que existiam em mim, no meu corpo. Parabéns àquelas senhoras e senhores que vão dançar para a televisão com aqueles vestidos feitos de material inflamável durante aproximadamente 35 segundos e sobrevivem. Hoje sei que precisaram descer ao inferno para o conseguirem fazer sem não mandarem ninguém pró caralho três vezes, só naquela de desanuviar.
Mas, questões dolorosamente físicas à parte, fiquei a conhecer outras coisas em mim para além das coisas do corpo. Fiquei a conhecer coisas heroicas. Coisas novas. Conheci aquilo que me levou ao ballet mas eu ainda não sabia, e foram imensas coisas. A superação. A resiliência. A conquista. A conquista, sobretudo da maturidade, o ter percebido que cheguei aqui. Que já sou uma mulher. Que já me encaro, que não tenho vergonha de muitas coisas que tinha e, sobretudo, que deixei para trás a necessidade do protagonismo. Quando estamos com um grupo de adolescentes percebemos melhor isso, e como essas lutas acontecem mais duramente nessa fase da vida. Já não estou lá. Já estou aqui.

No dia do espectáculo, antes de sair de casa para o último ensaio geral e para o espectáculo propriamente dito, abati-me. Chorei descontroladamente. Depois deixei-me de pieguices e lá fui para o ensaio. Só me apetecia desistir e chorar e ir a correr para casa. Depois parei ali dois minutos para estar sozinha comigo e perceber o que se estava a passar. Bom, e na verdade, percebi que se passavam muitas coisas.
Primeiro, creio que me caiu a ficha e percebi na alhada que me tinha metido e na vergonha que ia passar e na humilhação pública em que eu própria me tinha metido. As coisas não podiam correr bem porque, verdade seja dita, ninguém, nem o mais dotado dos seres, em oito meses aprende a ser bailarino, portanto, era certinho que mal ia correr. Mais valia ultrapassar isto e continuar porque já era tarde para voltar atrás.
Segundo, fiquei extremamente insegura em relação ao meu corpo e ao meu aspecto metida num maillot e tutu brancos. Era demasiada informação visual, se é que me entendem. Por alguma razão fui a última a vestir-me e a sair do balneário e só me apetecia morrer antes de entrar em palco. Mas não aconteceu e eu lá tive de ir com três barrigas e cinco mamas e ao fim de cinco minutos de jogo já tinha os imaculados collants cor-de-rosa cheios de sangue nos joelhos. Uns dias depois, quando vi uns vídeos, percebi que esse era o menor dos males e que eu estar em cima do palco era, esse sim, o maior dos erros cometidos naquele espetáculo.
Terceiro, e esta questão pesou, por mais que eu tivesse desvalorizado a minha conquista pessoal, sabia que ia ter muito poucas pessoas amigas junto de mim naquele momento. Pessoas que me eram importantes não iam estar. Não puderam estar. Outras talvez nem tenham feito grande esforço por estar. Isso abateu-me. A conquista pode ter sido pequena (depois de ver os vídeos percebo que foi minúscula) mas naquele dia pareceu-me a escalada do Evereste e eu queria que todos vissem e aplaudissem a minha conquista.
Naqueles segundos antes de entrar no palco lembrei-me de um ou dois rostos e tremi o lábio. Tornou-se mais duro prosseguir.

Quando o espetáculo, finalmente, terminou, ali mesmo, no palco, desfiz-me em lágrimas. Parecia uma prima ballerina, em fim de carreira, que havia sido acabada de aplaudir pela sua última divina apresentação. Comovida até à alma por tantos e tantos anos entregues à dança, ao ballet, por ver ali terminada uma vida vivida sob um mesmo guião. Que mente tão manhosa tenho eu. Chorei agarrada ao peito, na escuridão do pano que cobria o palco, nem sei bem em honra de que emoção. Mas chorei muito. Creio, à distância do tempo que já passou, que chorei porque nem eu acreditava em mim. Não foi de alívio. Não foi de pânico. Nem de tristeza por ter terminado. Chorei porque, porra, consegui.
Depois corri para o conforto daqueles poucos amigos que puderam ir. E voltei a chorar com eles. Penso que, eles sim, choraram de vergonha. Vá, estou a brincar.
Perdi a foto de grupo com as restantes colegas de ballet, aquelas que têm idade de ser minhas filhas, aquelas que me deram lições geracionais que me julgava indisposta a aprender mas que, afinal, levarei como das mais importantes para a vida. Afinal aquela geração não está assim tão parva e perdida como eu achava ou então é o ballet que faz as pessoas diferentes.

Quando penso em qual foi a coisa mais bonita que fiz por mim, sei que foi aprender ballet.
Sei que muita gente não compreenderá, sei que terei vergonha de o verbalizar se algum dia me o perguntarem mas, pensando apenas para dentro de mim sei, que a coisa mais bonita que fiz por mim, foi aos trinta e quatro anos ter ido aprender ballet.

13.7.15

Gato como tu és? Não... Lembro-me lá agora...



Perguntaram-me: "Ainda se lembra de mim?"



7.7.15

A certeza de que nada é como imaginamos ser



Lembro-me tantas vezes de uma vez, ao primeiro espasmo poético de um conhecido meu, ter dito cheia de certezas: "Ele não passa de um bluff literário."



Já tem meia-dúzia de livros editados.

Em que mundo vivo eu?



6.7.15

Eu e o pintainho




Num destes dias, numa daquelas conversas de circunstância com a minha mãe, em que acabo sempre a aprender alguma coisa, contava-me ela, como se nada fosse, como se se tratasse do mais comum dos episódios das nossas vidas, o primeiro momento poético da minha existência.

Quando a minha mãe estava grávida de mim, já de barriga bem grande, o meu irmão teve rubéola. Naquele pânico, naquela falta de meios médicos de há trinta e quatro anos, o risco de eu não vir ao mundo ou, pior, de vir ao mundo com três olhos e cinco pernas era imenso e já se conheciam os perigos e consequências de contrair rubéola durante uma gravidez.

Contava-me a minha mãe, que lá foi, desgostosa de morte, amparada pela minha tia, a caminho de Lisboa para fazer o tal exame que iria dizer se ela e eu estaríamos infectadas com rubéola ou não. Como vêem, não estávamos.

Mas o bonito disto, o verdadeiramente bonito disto, foi que, para saberem se eu podia continuar aqui, um pintainho teve de morrer. Um pintainho teve de morrer.
O teste era feito num pintainho. Creio que já não o é.
Mas, naquela altura, a minha mãe conta que teve de esperar o resultado do pintainho. E, naquele dia em que o pintainho morreu no laboratório, foi o segundo dia em que nasci. O primeiro terá sido o dia em que a minha mãe soube que me ia ter. O terceiro foi o dia em que, efectivamente, vim ao mundo. Nasci três vezes.
Eu não sabia desta história, deste desespero, mas soube-me a poesia saber que houve um pintainho que deu a vida por nós. Por mim.



Acho que há merdas que não se perguntam



Perguntaram-me: "O que achas de mim?"