9.12.14

Mandrágora




"Segundo uma lenda medieval a raiz da mandrágora era como um pequeno homem dormindo dentro da terra e, ao ser retirado de seu descanso, dava um grito tão agudo que era capaz de deixar surdo, enlouquecer e até mesmo levar alguns homens à morte. 
Com base nessa crença, foram sendo criadas várias técnicas para se retirar a mandrágora do solo sem sofrer com o grito da planta. Alguns tapavam os ouvidos, afofavam a terra ao redor da mandrágora, amarravam a planta ao pescoço de um cachorro e faziam com que o mesmo corresse, arrancando a raiz do solo. 
Escritos medievais afirmam que é mais seguro colher mandrágora durante uma sexta-feira à noite, pouco antes do nascer do sol. Depois de ser colhida alguns lavavam a raiz com vinho e a guardavam embrulhada em seda vermelha ou branca. Aos olhos dos caçadores de mandrágora, tanto trabalho para conseguir a raiz valia a pena, pois a planta possuia variados usos, tanto mágicos como medicinais.
A raiz é a parte mais curiosa dessa planta, pois cresce como uma batata, muitas vezes bifurcada, ganhando traços semelhantes ao de um pequeno homem. Por conta do curioso formato humano é que a fama "mágica" das mandrágoras se difundiu rapidamente. Pitágoras se referiu a mandrágora como "antropomorfa". O agrônomo romano Lúcio Columela a definiu como "semi-homem"."




Uma mulher, nascida de um buraco na terra, veio ao mundo nua.
Matou o primeiro homem que viu. E depois o segundo.
Tinha sangue nas mãos, no rosto.
Não na alma.
Mas não encontrou o que procurava.
Chamavam-lhe filha do diabo mas o diabo repudiou-a.
Disseram ser parida por um cão mas o cão mordeu-a.
A mulher, nascida de um buraco na terra, veio ao mundo para retribuir o mal.
Matou a primeira criança que viu sorrir. E depois matou a que viu chorar.
Comeu-lhes as vísceras que fez soltar com as unhas cravadas na carne.
Não conseguiu o que queria.
Calcorreou ruas, sem roupas ou pudor, envergando apenas o sangue de quem foi matando e comendo. 
Com medo, as mulheres da aldeia recolhiam-se a elas e às crianças. Mas não tinham mão nos maridos.
Com curiosidade, os homens arriscavam-se olhar por entre frestas e postigos.
A mulher, nascida de um buraco na terra, não falava, não respirava, não pensava, não chorava, não sorria, não torcia a cabeça para olhar.
Esperava apenas a noite cair-lhe sobre a vontade de matar.
Um dia, numa noite, um homem, tolo de inocência e bom de coração, atravessou-se no seu caminho sem se aperceber.
Viu de perto a morte quando as mãos da mulher lhe abriram o peito e lhe roubaram o que tinha de bom.
Finou-se quando a boca dela se colou à sua e lhe sugou a alma.
O grito, curto, agudo, durou cem anos a desaparecer.
Ainda há quem na aldeia o ouça gritar ao nascer dos dias.
A mulher, essa, sumiu-se poucos passos depois.

Tinha, finalmente, o que lhe faltava:
Uma alma. Um coração.


[Quantas mulheres não se tornam assassinas, inimigas delas próprias, apenas porque lhes falta quem lhes entregue o mais importante de si?]



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