1.6.17

1 de Junho de 2016




No dia 1 de Junho de 2016, para mim, não existiu Dia Mundial da Criança.

No dia 1 de Junho de 2016, num exame pré-natal de rotina, foi diagnosticada uma malformação congénita grave, incompatível com a vida, no meu bebé.
Estava nas 22 semanas de gestação.

No consultório às escuras, ouvia-se "Bed of Roses" dos Bon Jovi. A médica marcava o ritmo da música com a ponta do pé e tinha os olhos colados ao ecrã. Apesar do Jon Bon Jovi se esforçar nas notas, senti um profundo silêncio.
Percebi que não ia sair dali a mesma Inês que entrou. E não saí. 

Apesar da sentença que levava nas mãos, as pernas bambas ainda conseguiram providenciar uma série de diligências que importavam antecipar, a cabeça ainda conseguiu não correr para o telemóvel a gritar por ajuda, e os olhos aguentaram estoicamente, devo dizer, o que pensava ser apenas um par de lágrimas. 

Aquele dia da criança ficou cristalizado no tempo. Lembro-me de cada minuto. E isto é de uma estranheza indescritível. Recordo-me das horas antes de ir para o consultório, das pessoas com quem me cruzei, do que disse, dos locais onde entrei, do que almocei, do que levava vestido, do que a médica tinha vestido... E lembro-me de todos os minutos depois. Do imenso calor que estava. Da dor que senti no peito. De ter de dar a notícia ao meu grande amor. De ter de ser a portadora de mais esse sofrimento. De ter de mentir ao telefone à minha mãe. De a minha mãe me felicitar pelo dia da criança mais especial de sempre a partir de então, e eu ali, acabada de saber que era o fim e sem coragem para lhe dizer. Cortou-me o coração em mil bocadinhos.

Desde o dia 1 de Junho até ao dia do seu nascimento a 16 de Junho, perdi e recuperei muitas vezes o meu filho. Tive fé e perdi-a várias vezes, no mesmo dia. Num dia chorava a perda, no dia seguinte sentia-me a mãe mais forte do mundo, porque num dia me davam um prognóstico e noutro dia me davam outro. 
Porque num dia me diziam a verdade e, noutro dia, me diziam mentiras porque erraram na procura da verdade. 
Uma coisa sei e tenho como definitiva na minha vida: perdi a ingenuidade e a criança que tinha em mim.
Isso foi-me roubado para sempre.  É irreversível e irreparável. Deixei de ser criança. 

Agora,  todos os dias envelheço a pensar no meu bebé. Todos os dias choro por ele. Choro por nós os três. Ainda choro, sim. De uma maneira, de outra, mas choro todos os dias. E choro pelas coisas mais parvas.
Choro por dentro, e este é apenas um exemplo, quando ouço pais a queixarem-se das birras dos filhos. Ou quando lamentam que deixaram de ser donos dos seus próprios horários,  ou que nunca mais conseguiram ter a sala sempre arrumada (shame!) ou, e esta está entre as minha preferidas, que os filhos não os deixaram dormir naquela noite, ou que não dormem em condições desde que os putos nasceram (não colocando em causa que possa ser verdade mas, porra, não se queixem). 

Curiosamente, eu também não tenho dormido bem neste último ano e a minha vontade de arrumar a sala também não aumentou. 

Sejam gratos. 
Amem as vossas crianças.


9 comentários:

  1. Oh, não sabia... que coisa tão triste.
    Mas olha, não fiques assim, tens ainda uma criança dentro de ti, que não morre.
    O dia da criança é todo teu.
    Um abraço

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  2. Como em todos os teus posts...superb..vai haver uma segunda oportunidade e tu vais voltar a ser criança. Beijo.

    Mafalda

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  3. Lamento muito. Espero que, se for essa a tua/vossa vontade, um dia o dia da criança volte a ser um dia feliz para ti. Nunca voltarás a ser a mesma Inês, mas podes vir a ser uma Inês mais serena e a dormir melhor (com ou sem sala desarrumada!).

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  4. Um beijinho Inês. Espero que voltes a ser criança. Não a mesma criança (também não acho que seja possível), mas espero que voltes a ser criança.

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  5. Oh! Um dia voltará a ser criança, uma criança diferente mas ainda assim uma criança. Um abraço.

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  6. Apetece-me muito dar-te um abraço apertado.

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  7. Não serás a mesma Inês, nunca mais verás a gravidez da mesma maneira, nem as tuas, nem as das outras, sentirás sempre saudades do que não tiveste, saudades do que poderia ter sido, mas é possível voltar a viver o dia da criança com um sorriso, acredita!

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