6.6.11

A Gruta



Desistira de saber quantos dias haviam passado, por nem saber quantas noites se tinham posto. Vagueava de pedra em pedra, com gestos amedrontados e pernas trémulas, procurando um caminho que nem sabia qual era. Talvez caminhasse em círculos há muitos anos. Ou talvez tivesse percorrido uma longa recta quando a saída estava em cada esquina que não via. Nunca saberá o quão perto esteve de alcançar a claridade do dia.
De quando em vez, tombava-se. Caia em charcos. Resvalava pelas rochas. Sentia o visco de coisas desconhecidas. Mas continuava a andar. Depois sentia-se humilhado e chorava. Chorava de impotência, de dor e de medo. Questionava-se horas a fio se alguém teria vindo em seu auxílio. Se alguém teria dado pela sua falta, ou se, por outro lado, desistiram dele e se entregaram ao pensamento óbvio da perda eterna. Nessas alturas, também ele pensava desistir mas não sabia como. Percebeu cedo que nem podia terminar com a sua vida por nada ver e por nada ter. Queria morrer de fome e de sede mas talvez ainda não tivessem passado dias suficientes para sucumbir à sua ausência. Não tinha armas. Não existiam animais ferozes. Queria morrer e não sabia como. E também por isso chorava.
De uma das vezes que chorou parecia-lhe ter ouvido o seu eco. E havia de o ouvir mais vezes. De quando em vez, lá ia, compassadamente, ouvindo o seu choro copiado. No início chegara a sentir-se acompanhado mas mais tarde apercebera-se que estava, simplesmente, louco. 
Agora já nem sabia se aquela gruta existia apenas na sua cabeça ou se realmente o seu corpo estava perdido nela. Não se lembrava de como ali chegou e por isso não sabia dar resposta à sua dúvida. Estava perdido. Sabia que de nada valia esgotar-se em gritos. Não estaria lá ninguém para o ouvir.
Quando, finalmente, o corpo começara a ceder e a acompanhar os pensamentos derrotistas da mente, lembrou-se da sua vida lá fora. Lembrou-se que lá fora também vivia no escuro apesar de haver tanta luz. Lembrou-se que lá fora a gruta onde vivia tinha outros perigos. Teve a certeza, por momentos, que pelo menos sempre era melhor viver neste escuro e não saber o que nele se passa. Aceitou. Resignou-se.

Fechou os olhos e sucumbiu. Ou talvez tenha sucumbido, firmemente, sem os olhos fechar. 
Mas isso, nunca ninguém saberá e a sua vida será recordada como a de um cobarde.




3 comentários:

  1. Sim , é verdade! Desistir de viver pode ser cobardia. Mas pode ser um acto de coragem. Estar sozinho pode ser estar rodeado de muita gente, numa gruta ou a céu aberto. Porque não podem os solitários viver sozinhos? Por vezes, a maior parte das vezes, preferimos não ver, não olhar para as saídas, passar-lhe ao lado como se não existissem, temos esperança que ninguém nos veja. Vivemos em pesadelos, acordados! É preferível ficarmos perdidos, loucos, ignorante mas felizes? Como é que alguém que quer deixar de viver pode ser feliz? Pode?

    ResponderEliminar
  2. Sou louca, desequilibrada do prumo.
    Vivo acordada no meio de pântanos assombrosos.
    Sonho alto sabendo que vou cair num fundo breu.
    Fui amaldiçoada por um dom que alguém achou servir nos meus costados.
    Sofro de solidão para não castigar os outros com a minha presença.

    Não. Assim não se pode ser feliz. É por isso que todos acabamos por morrer. Com mais ou menos poesia. Com um argumento melhor ou pior. Por vontade própria ou por desígnio do tempo. Todos acabamos por desistir de viver. Todos acabamos por morrer.

    ResponderEliminar
  3. Eu tive um cão que morreu triste! Eu sabia da sua tristeza, fui cruel com ele! Por vezes pareceu-me ouvi-lo chorar deitado à sombra da laranjeira na terra fresca, da rega do dia anterior. Ele gostava muito daquele lugar e passava lá longas horas nas tardes sufocantes de verão. Morreu, e nunca lhe comprei o ossos de borracha.

    ResponderEliminar