24.3.15

Herberto Hélder. O Grande.






O Poema
Um poema
cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplendida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silencio
a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das cisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério

- E o poema faz-se contra a carne e o tempo.



Na noite escura



"Na noite escura"
de Amélia Muge


Na noite mais escura 
Não sei já quem sou eu
Pois já nada perdura 
Do tempo que foi meu
É estreita, tão estreita
a noite na distância
Já só tenho em mim
a mais obscura ânsia

já nada mais me resta
do que a dor sempre entoou
e a violência nua
da noite sem o canto

já nada mais me resta
do que a dor sem um pranto
e a violência nua
da noite sem o canto

Na noite mais escura 
Não sei já quem sou eu
Pois já nada perdura 
Do tempo que foi meu
É estreita, tão estreita
A noite na distância
Já só tenho em mim
A mais obscura ânsia

Já nada mais me resta
Do que a dor sempre entoou
E a violência nua
Da noite sem o canto

Já nada mais me resta
Do que a dor sem o pranto
E a violência nula
Da noite sem o canto


23.3.15

Não pertenço a este lugar

Merve Ozaslan


Já não pertenço a este lugar.

Este lugar fica-me largo. Ou fica-me justo. Mas já não me serve.
Dias há que me sinto longe, mesmo estando cá dentro, e dias há que me sinto afundada nele, mesmo estando afastada.
Já não pertenço a este lugar.

Miro-me por dentro e não encontro esta paisagem nos meus vales. Vigio os meus pensamentos e já não me espelho neste povo.
Será que me tresmalhei deste lugar ou ter-se-á este lugar afastado de mim?
Já não pertenço a este lugar.

Nos dias de solidão recordo as caras e as vozes e os cheiros. Sinto-lhes a saudade de quem já não os voltará a ter. De quem faz um luto. Lamento as distâncias, de corpo e de alma. Castigo-me a inércia. Olho sobro um ombro de arrependimento.
Por vezes penso que se tivesse sido filha do lugar que me pariu, não me sentiria bastarda no sítio onde estou.
Já não pertenço a este lugar.

Perdida, entre saudosismos e pretensões, fiquei-me entre sítios.
Não pertenço mais a este lugar. Não cheguei ainda a qualquer outro. A estrada está a meio e eu sem conhecer o caminho.
Fico assim, no maior dos dramas. Não conhecer o tempo que se demora entre a partida e a chegada, do lugar onde não queremos estar para aquele que sempre devíamos ter conhecido.


Já não pertenço a este lugar.
Eu sei.


18.3.15

Singelo





                                                 [Fosse tudo tão singelo,
                                                 Como este poema que vou escrever,
                                                 E o mundo era mais belo,
                                                 Um bom lugar para se viver.]



                                                                         Os meus pensamentos são em verso.



16.3.15

Herbários



"A herbariologia, ramo da {Botânica} que tem como objectivo o estudo das plantas em herbário, visa contribuir para o conhecimento da biodiversidade vegetal mundial, fornecendo uma colecção de espécimes das populações naturais, que constituem referências científicas, ou que podem ter grande interesse para a preservação e conservação da biodiversidade. O papel desempenhado pelos herbários nos estudos de biodiversidade é cada vez mais reconhecido pelos investigadores. Através de uma enorme base de dados de onde se está constantemente a extrair, utilizar e adicionar informações sobre cada uma das populações e/ou espécies é possível aplicar essa informação nas mais variadas disciplinas, tais como fisiologia, ecologia, agronomia, farmacognosia, etnobotânica, com os mais diversos objectivos: recuperação de áreas degradadas, resistência a pragas, melhoramento vegetal, desenvolvimento de compostos com interesse farmacológico, etc. (...)"



A caminho da creche, sugavam-se azedas.

Entre o proibido e o permitido, cheirava a rebeldia arrancar da terra uma pequena flor e sorver-lhe a vida.
A azeda, muito azeda, não nunca me convenceu.
Era azeda, pois então!
Mas já em pequena idade urgia pertencer ao grupo dos meninos que gostava de azedas e, por isso, eu gostava também, mesmo não gostando.
Hoje penso em quantos de nós detestavam sugar as azedas mas que o faziam porque sim, porque tínhamos de ser todos iguais.


A caminho da escola, colhiam-se rosas de Santa Teresinha.

Num arbusto frondoso, que se escapulia por entre o gradeamento de uma casa, a caminho da escola, mesmo antes de lá chegar, eu colhia sempre uma pequena rosa.
Tão pequena que metia graça e lhe traçava a desgraça de ser colhida, dia-sim dia-sim, por mãozinhas curiosas.
Guardava-as nos bolsos do casaco ou dos calções mesmo antes de entrar na escola. 
Era uma coisa minha. Ainda hoje o é.


A caminho do ciclo, colhiam-se folhas e mais folhas, ervas e mais ervas.

Sem critério, sem gosto ou não gosto, sem olhar a cor, tamanho ou cheiro.
O herbário de ciências da natureza tinha de ser feito, com todo o rigor mas, mais ainda, com toda a variedade que me fizesse brilhar a sapiência.
"Herbário meu, herbário meu, terá havido alguém mais obcecado por ti do que eu?"
Tivesse a mania de coleccionar folhas ficado por ali e hoje não seria surpreendida pela quantidade de folhas que deixei secar entre páginas de livros.
A cada folha que cai, seca, por entre letras que alguém escreveu, renasce uma memória. Aviva-se uma vida. Viaja-se no tempo, até ao tempo em que eu ainda não sabia o que o tempo era.


A caminho do liceu, tocava-se a erva coberta de geada.

Recordo, mais que um verão verdejante, todos os invernos rigorosos.
A morte das árvores e das flores, a geada que lhes tapava as folhas, o gelo que por hora de um raio de Sol lá deixava adivinhar o que tanto teimada em esconder.
Recordo o momento em que lhes era devolvida a vida. Em que eu as podia voltar a tocar. Recordo as horas, e o olhar parado, recordo, muitas vezes, de as colher e beijar.



12.3.15

(Bitches)





Pode parecer infantil mas decidi que a partir de hoje vou deixar de falar com duas ou três pessoas.
Para sempre.


(Bitches).


11.3.15

Ai as flores...

Vincent Van Gogh


Ai as flores,
A Primavera,
Ai ai...

No sossego,
Da soleira,
Os olhos fecham,
A sombra cai.

Ai as flores,
E os calores,
Ai ai...

Vieram quentes,
E de repente,
A paixão fica,
O amor se vai.

Ai as flores,
A alegria,
Ai ai...

Unem-se bocas,
A bochechas,
Dão-se abraços,
Até fartar.

Ai as flores,
E as noites,
Ai ai...

Na penumbra,
E no silêncio,
Fazem-se filhos,
Ama-se um pai.

Ai as flores,
E os amores,
Ai ai...

Volte o frio,
Cubra-se o Sol,
E o amor,
Lá se vai.



Dias Gatos?




Eu não sou uma pessoa de gatos, que não sou, de todo.

Mas estes bichos alergias friendly e com design contemporâneo, agradam-me imenso.
Palpita-me que têm um mau feitio dos diabos e, não sei explicar porquê, parece-me uma coisa atraente na personalidade de um animal de estimação... Apesar nos cães gostar de uma personalidade maricas e dependente...

'Tá decidido: Quero um destes.