Ando há meia-dúzia de anos a ouvir isto: “Isso é porque não és mãe”.
Eu sei que não sou mãe.
Mas obrigada por me lembrarem disso com tanta regularidade. Nunca se
sabe! Nunca se sabe, se me dá algum ataque de demência e começo a ser uma
pessoa sensível. Sim, que só é sensível quem é mãe ou pai, e o resto (esses
miseráveis que não procriam) são uma cambada de monstros que não sofrem com a
queda do psi 20, apenas porque não têm a sensibilidade de quem é pai. Nem sofrem
com a procriação em cativeiro do Panda gigante, como única resposta em pleno século
XXI para travar a sua extinção, porque não são pais. De repente, só se pode
apreciar uma pintura de Monet porque se é pai. Só pode dizer que lhe doem as
mamas quem já foi mãe. Só se pode queixar de estar cansado quem é pai. Só se
pode chatear com as contas elevados de supermercado quem é pai. Só pode ficar
irritado com faltas de educação quem é pai ou mãe… Cristo! Apetece-me
dizer que afinal isto de ser mãe ou pai só traz é desgostos porque, afinal, só eles é
que se podem (e têm todo o prazer nisso) queixar.
“Não és mãe? Ah, pois temos
pena. Estás-te a queixar de quê? De que tens um joanete? Devias experimentar
ficar com um períneo todo rasgado. Sim, porque eu sou mãe e por isso sei o que é sofrer”.
Epá, boa sorte mais a esse prazer todo em dizer que se vive na desgraça
porque se teve a graça de ser mãe.
Eu sei que não sou mãe.
Ainda não percebi porque é que insistem tantas vezes em lembrar-me
disso. Em lembrarem-me ou em julgarem-me, porque por vezes a diferença é muito
ténue. Basta uma pequena alteração no tom de voz ou no ritmo com que se dizem
as coisas para passarem de um “isso é
porque ainda não foste mãe” para um “ (cala-te já sua anormal, que não
fazes puta de ideia o que é andar nove meses sem mandar uma queca em condições
na esperança que venha daí a melhor coisa do mundo e afinal isto só dá é dores
de cabeça e noites mal dormidas e ainda mal consigo chegar com a mão ao cu sem
me doer qualquer coisa, e já passaram dez anos, e estás tu praí a falar como se soubesses o que é a
vida) isso é porque ainda não foste mãe”.
Minhas senhoras, importam-se de não discriminar a minha ausência de
crias e me subestimarem por isso?
Eu sei que não sou mãe.
Crucifiquem-me por isso. Crucifiquem-me por pensar que os miúdos
dormirem na cama com os pais até aos seis anos é o maior tira-tesão da história
da humanidade e que “se fossem meus não
fazia assim”.
Matem-me por pensar que se um filho meu com dois anos me levantasse a
mão, eu não ia achar graça porque “já tem
imensa personalidade e opinião”.
Mandem tirar-me os ovários por eu achar que as cesarianas são a melhor
invenção do mundo e que os leites artificiais são o LSD deste século.
Retirem-me a guarda dos meus futuros filhos no dia em que lhes der uma
palmada porque faltaram ao respeito a um adulto.
Mandem-me para a Fossa das Marianas por, apesar de não ser mãe, poder ter opinião sobre os mais variadíssimos assuntos. Melhor: precisamente por não ser mãe, consigo falar de outros assuntos. Boa!?
Eu sei que não sou mãe.
Mas e se fosse? Ia ser pior que as outras?
Não há mestrados nem doutoramentos em maternidade e, até que alguém me
prove o contrário, ninguém sabe o que é ser mãe até o ser. E mesmo depois de os
parir há algumas pessoas que revelam aptidões naturais para o ser e outras não.
E no entanto, não há nenhuma espécie de controlo nisto. Não são divididas as
potenciais boas mães das más mães, em exames médicos, logo à nascença. As más
pessoas também são mães. E isso faz, à partida, que elas sejam pessoas com
opiniões mais credíveis e válidas que as minhas quando se fala de maternidade?
Sei que não sou mãe por muitas outras coisas que não têm a ver com a
sensibilidade e moderação. Com paciência e amor incondicional. Acreditem, sei
bem que não sou mãe, porque continuo a ficar menstruada, a gastar dinheiro em
pílulas e a dormir bem todas as noites.
Sei que não sou mãe mas sei que sou uma pessoa como qualquer outra e isso não faz de mim menos competente e menos apta para viver em sociedade.
Eu sei que não sou mãe.
Mas fiquem descansados porque eu até quero ser mãe. Se há coisa de que
não me importava mesmo era de ser mãe. Importo-me com ter de pagar IRS e IVA e
essas merdas que ninguém compreende muito bem mas com as quais se cumpre.
Importo-me de ter de fazer dieta há vinte anos e estar cada vez mais lontra.
Ultimamente até me importo com um fungo numa unha do pé que me impossibilita de
dar os dedinhos a chupar. Agora ser mãe… não me chateava mesmo nada mas ainda não
o quis ser (sim, desengane-se quem pensa que não sou porque ninguém me salta
para cima). É uma opção de vida como qualquer outra. Como fumar, viajar ou
gostar de levar pornografia para a casa de banho. Posso?
Eu sei que não sou mãe e não me venham com as teorias que é disso que
preciso. Que esta genica toda se acaba com o amolecer da maternidade. Eu quero
lá acabar comigo e condenar-me ao único e exclusivo papel de ser mãe? Que falo
como falo porque quero muito, muito, muito, ser mãe e não consigo (eu vou
treinando meus caros, eu vou treinando! Mas não preciso arriscar o último lugar
nos Mundiais quando estou em primeiro lugar na Distrital).
A sério minha gente: não podemos conversar sem me atirarem à cara que não compreendo determinada situação porque não sou mãe?