Wolfgang Beltracchi
Wolfgang Beltracchi é um falsificador de arte. O maior de todos
eles.
Wolfgang é odiado por meio-mundo, que o considera um impostor
e um mentiroso que se aproveitou das suas capacidades persuasivas e da sua
inquestionável habilidade artística para enriquecer e enganar profissionais da
arte.
Porém, para a outra metade do mundo, Wolfgang é muito mais
que isso, aliás, será tudo menos isso. Para metade do mundo ele é um artista.
É, ele próprio, o maior de todos os artistas.
Wolfgang não se limitou a "copiar" quadros de
pintores consagrados e intocáveis, ele foi mais além e criou novos quadros
recorrendo às técnicas e estéticas desses pintores, fazendo-os aparecer no
mercado como se se tratassem de novas descobertas, levando-as a leilão e
fazendo-as render, nalguns casos, milhões de dólares. Ainda hoje se desconhece
onde param algumas delas, acreditando-se que algumas figurarão em museus sendo
apreciadas por visitantes e especialistas como sendo genuínas.
Reza a história que, inclusivamente, a viúva de Max Ernest ao
olhar para um dos quadros, supostamente, de autoria do seu marido, mas na
realidade pintado por Wolfgang, comentou tratar-se "da mais bela floresta de sempre" pintada pelo seu marido.
O facto de ter sido, afinal, outra pessoa não conceituada no
mundo artístico - até então - altera a qualidade da obra?
É disso que se trata, de um nome?
Este Dartagnan da pintura encerra sobre ele o maior
dos mistérios da arte, e volta a fazer-nos lembrar qual a maior das
interrogações que temos ainda hoje sobre ela: o que é, afinal, a arte?
Onde mora a arte?
Quem faz arte e quem a pode fazer?
Isso de fazer arte está na formação académica, nas ideias, na
conceção, na técnica, no conhecimento, na inteligência, na divindade, na
genialidade, na exclusividade, no nome ou no preço?
Bem, na verdade, a arte levanta-nos muitas mais questões.
Wolfgang, após uns tempos a cumprir pena pelo seu crime,
regressa agora em nome próprio, com o seu rosto, e vontade de não voltar a
fazer o mesmo erro: assinar com o nome de outros.
Porque no fundo foi disso que se tratou. Ninguém pintou, nem
criou, nem se entregou às pinturas que não ele mas, no momento de escrever o
nome, colocou o de outro. Foi ele que as fez, portanto, será justo que o mesmo
as assine e não espere reconhecimento por via de outros. Wolfgang terá
aprendido a lição e inaugurou uma
exposição em nome próprio, sem máscaras.
Não
conheço desafio maior que o do ilusionismo e este homem deu-nos a ilusão em que
todos queremos acreditar: que um nome qualifica uma obra.
Sem falsos
moralismos, quantos de nós saberão, verdadeiramente apreciar um quadro de Heinrich
Campendonk? E quantos dos colecionadores não compram apenas por investimento ou
por capricho?
Wolfgang
veio dar um duro golpe neste estereotipo e nas verdades absolutas. Iludiu-nos e
foi punido porque nos sentimos enganados.
No
entanto, quanto a mim, para além de ser habilidoso com as mentiras (ou
meias-verdades), Wolfgang escreveu a maior lição de moral da história de arte contemporânea,
sem o saber. Deu a muitos artistas, estabelecidos ou wannabes, o maior exercício de humildade que
pode haver e cumpriu a maior pena de cadeia que um artista pode cumprir:
assinar com o nome de outro. Dar o mérito da sua obra a outro. Durante todos estes anos ele fez o maior exercício de
contenção de ego e de humildade de que há história no meio artístico.
Agora a história da carochinha:
Wolfgang conseguiu esta proeza de
falsificar e vender obras de arte como sendo de artistas consagrados
e valiosos no mercado da arte, com a ajuda de uma cúmplice.
Helen, a sua mulher, que tem ar de quem
não come torradas com galão de manhã, foi a parceira, no verdadeiro sentido da
palavra, que a sua vida precisava.
Helen, serviu de veículo que legitimava
a história do aparecimento dos quadros. Supostamente, uma avó de Helen teria
deixado uma vasta coleção de obras de arte que, agora, esta e o seu
honrado marido Wolfgang Beltracchi, faziam o favor de devolver
ao público ou a colecionadores privados através de leilões milionários. E
assim se justificava o aparecimento de tantos quadros novos de autores
conhecidos.
Para
ajudar a compor a história, Helen disfarçou-se de sua avó junto de uma série de
quadros, e mostrava-a como sendo um fotografia original, quando na verdade não
passava de uma encenação, manipulada posteriormente em laboratório. Ou não
fossem ambos os maiores embusteiros de sempre.
E aqui
está ela, esta mulher apaixonada por um louco, também ela, certamente louca.
E eu vejo
nisto tudo uma história incrível e sem paralelo neste mundo já tão pouco
sonhador.
Quanto ao próprio Wolfgang, homem, esse
caçador, esse ilusionista, resta-me notar que poucas vezes a humanidade viu uma
figura assim. Brilhante, genial, ardiloso, escorregadio mas cheio de charme e
com uma história de amor, daquelas verdadeiras, para contar.
Não há como não adorar Wolfgang Beltracchi.