O que me trava a vida é o medo.
Acabei de ter essa certeza.
Quem me pode salvar?
Deitei-me há uns vinte minutos e não consegui adormecer por sentir um tremor dentro de mim. Nada de novo, portanto. Nunca fico tranquila quando me deito.
Comecei a procurar dentro dos meus pensamentos a razão para esta impaciência - exercício de máxima importância que faço há anos e que me ajuda em 90% dos casos - depois passei para o coração, fui vasculhar no estômago e lá pesquisei a garganta.
Este exercício de pergunta-resposta tem-me mantido mental e emocionalmente estável. Tranquila, pelo menos. Quando me surgem os tremores no peito, sei sempre que tenho de fazer este exercício e só o terminar quando encontrar o local, a razão e a resolução para esses tremores. Prometi a mim mesma que só fecho a casa depois de a arrumar. Não me tenho dado mal com isso.
E não preciso procurar em muitos sítios dentro de mim para saber onde se dá a desarrumação. Há muito tempo que sei onde se acumulam as minhas angustias. Nunca é nos pés, nunca é nos olhos, nunca é boca. As minhas palpitações vêm sempre da cabeça, do coração, do estômago ou da garganta.
Durante muitos anos procurava a resposta ao meu desconforto interior no coração, porque era o peito que me doía. Tudo parecia vir do coração e, nalguns casos, talvez viesse mesmo. Hoje, quando encontro o problema no coração, sei que se trata de uma dor emocional e não de um problema ou de um conflito por resolver. Quando a razão para as minhas inquietações está alojada no coração, sei que só conseguirei encontrar tranquilidade conversando com alguém sobre o assunto. É o meu órgão da verbalização.
Depois tornou-se evidente que era no estômago que residiam todos os meus problemas. Dava-me aquele friozinho na barriga, vindo sabe-se lá de onde, e comecei, aos poucos, a compreender que frios na barriga são sinónimo de embaraços que não sei resolver ou que já é tarde para resolver. São muitas vezes situações constrangedoras ou mentirinhas de circunstância que sei serem inofensivas mas que me deixam um desconforto. Passa a ser um problema só meu. No fundo é isso: quando o problema está no estômago, quer dizer que já está apenas numa esfera privada e que, do mal o menos, nada há a resolver com terceiros. Quando encaixo isto sei que é tempo de os passar para a garganta e engolir. E basta-me detectar o motivo de me sentir incomodada para me sentir logo tranquilizada: fica o caso encerrado.
Ao realizar esta viagem ao meu interior, se diagnostico o problema na minha garganta, sei que o problema foi falar de menos ou de mais. Sobretudo falar de menos. Deixar coisas por dizer transtorna-me. Mais do que dizer muitas coisas erradas, não dizer algo quando devia gera-me desconforto. E fico a matutar naquilo. A inventar conversas na minha cabeça que não servem para nada a não ser massacrar-me: "E se eu tivesse dito...", "E se eu tivesse respondido...". Apenas quando concluo que não posso voltar atrás no tempo e dizer ou calar o que queria ou, em alternativa, que ainda está nas minhas mãos retomar as conversas passadas e acrescentar-lhes ou corrigir-lhes o que gostaria, é que encontro o equilíbrio. O pior é não encontrar a solução. Andar num labirinto sem encontrar uma saída é sinónimo de nós na garganta para sempre. Para me acalmar e me resolver comigo mesma ou encontro a saída ou desisto e assumo a derrota, mas tenho, necessariamente, de arquivar o caso.
Então e a cabeça? Quando é que os problemas estão na cabeça? E como é que se resolvem?
Quando me vasculho e chego à conclusão que o problema está preso na cabeça... sinto que não há solução. Ou melhor, poderá haver, mas a custo de muito sofrimento, de muitas mentiras dadas a mim mesma, de muitos compromissos anulados, e de muitas palavras-de-honra atiradas ao chão. É a luta que não quero ter: brigar contra mim mesma.
Se o problema já está na minha cabeça sei que foi o medo que o colocou lá. Quando sinto medo quebro. A pior coisa na minha vida é sentir medo. Porque este se instala na mente e a lógica é combatida por milhões de argumentos falaciosos mas pungentes. Daqueles que nos fazem questionar de nós próprios.
Talvez seja a única pessoa que tem um inimigo dentro da sua própria cabeça mas pelo menos conheço-lhe o nome: chama-se medo.
Esta noite, em que me deitei para não conseguir dormir, comecei o exercício de perceber o que se passava para me poder tranquilizar.
A conclusão foi simples, muito simples, e até pouco surpreendente. Eu apenas não tinha querido ir ainda ao fundo da questão mas hoje decidi deixar de fugir. Não vou continuar a esconder que tenho um medo: tenho medo de dormir sozinha. De habitar uma casa sozinha. E isto faz-me de ter medo de, praticamente, tudo.
Faz-me ter medo dos barulhos, das luzes, das sombras, do silêncio, dos cheiros. Tenho medo de não conseguir escrever. De me expôr. de me relacionar. E tenho, sobretudo, medo de viver como uma mulher de trinta anos sozinha, presa a uma mente de vinte, com um corpo de quarenta a viver a vida de uma mulher de sessenta. E tenho medo que a vida seja só isto. Tenho medo de não conseguir reagir ou de, pelo menos, aceitar e arquivar o assunto.
Quando o medo se instala na cabeça dita-se apenas uma sentença de morte: a das nossas certezas.
E quem é que nos vem salvar de nós próprios?
Não será o medo, com certeza.
O que nos salva nunca pode ser o medo. O que nos salva é encontrarmos as respostas para os nossos desassossegos e encontrar a paz, algures, dentro de nós.
Lá consegui perceber o que se passava. E adormecer.