Um pedaço. Outro pedaço. Mais um. Partiu-se-me o coração. E não foste tu. Foram todos os que vieram antes de ti. Tu também o irás querer fazer e eu também irei deixar, porque não serás diferente dos outros e porque me irás prometer as mesmas palavras. Os mesmos gestos. Os mesmos sorrisos. A mesma vontade de me causar a entrega. O mesmo desejo de te fazer desejares-me. A mesma ilusão de que sou especial para ti e para o mundo. Mais uma vez vou querer sofrer porque isso faz parte de amar. Da equação que é amar. Absurdo que é querer sofrer quando amo, reconforto-me por saber ser um antilogismo necessário à minha alma que se move pelo extremo das emoções. Vou querer amargurar pensamentos para que não chegues a ser meu. Vou absintiar o peito e a mente para não saber o que é o doce, porque o doce me obstrói as artérias e tolda-me a linearidade do raciocínio. Louca a minha alma por achar que um dia poderá inverter a equação ditada pelos outros quando sei, que não, não te poderei amar no pleno se tu também não o quiseres. E é por isto, por me punir antes de saber se sentes o mesmo, que não permitirei que tu, e os outros que vieram antes de ti, me possam contemplar. Porque sofro e suspendo os batimentos do peito até sufocar e acabar por desistir de querer respirar o mesmo ar que tu. Sofres-me o peito. Todos fizeram o mesmo. E eu, embriagada por ti, ainda vou querer salvar-me destes pensamentos e fazê-los fugir para o que não é verdade. Porque tu, como todos os outros, não hás-de querer-me. Porque quando chegar o momento de nos abandonarmos nos olhos e nos braços um do outro, tu me irás agrilhoar à realidade e me irás humilhar, para saíres com a mesma máscara com que começaste esta viagem de ilusões. Quando chegar aquele escasso segundo em que nos haveríamos de entregar um outro, depois do tal olhar profundo, tu fingirás que a ilusão foi só minha. Vais fazer-me acreditar até ao suicídio que eu, apenas eu, me entreguei a ti. Que apenas eu sonhei enquanto lutavas por me manter acordada. Que apenas eu sorri com os olhos no encontro com os teus. Que apenas eu te quis tocar com a ponta dos dedos. Que apenas eu te cheguei ao coração. Que apenas eu sonhei de olhos abertos. Que apenas eu projectei ilusões. Que apenas eu. Eu. Eu. Eu. Afinal tu, e todos os que vieram antes de ti, existiram sem mim. Afinal tu, e todos os que vieram antes de ti, não emitiram os sinais que recepcionei. Apenas eu flutuei quando te desenhava nos meus pensamentos. E tu, e todos os que vieram antes de ti, viveram as emoções de serem adorados sem retribuírem, mas dissimulando essa possibilidade. Deram o vosso ego a amar, como uma mãe que vende a sua filha a um velho repugnante. Arrasando com o amor próprio de qualquer ser. Egoístas. Solipsos. Sórdidos. Nefastos. Poluídos. Dissimulados. Fingidores. Venenosos. Perigosos. Assim foram todos os homens que amei. Assim eram todos os homens que amei mas que nunca tive. Os piores trastes do meu mundo. E por isso os amei. Ainda amo. Sem nunca os ter tido. Sem nunca serem meus. Porque foram os únicos que me fizeram sucumbir às emoções. Mesmo que elas fossem as erradas. Todos os homens que quase tive foram os homens que, afinal, nunca cheguei a ter. Todos os homens que nunca tive, foram todos aqueles que quis muito ter. Porque aqueles que não nunca quis foram aqueles que nunca conheci.
Ganha forças. Ama-me. Não fujas. Não me humilhes. Não sejas apenas mais um dos homens que nunca tive. Entrega-te. A recompensa chegar-te-á sob a forma de embriaguez. Perdidos nos destinos um do outro, desejando perdermo-nos nos caminhos um do outro, no desejo de nos encontramos. Abandona-te a mim. Não sejas apenas mais um dos homens que nunca tive, porque isso, amanhã, vão-me ser recordações amargas, como aquelas que guardo dos outros.