Fotografia de Tim Flach
Realmente, se há coisa em que me sinto uma merda, é no que toca ao assunto dos direitos dos animais.
Por estes dias, a propósito da notícia de um fulano do governo ter sido recebido numa qualquer faculdade, por uns indivíduos exibindo um coelho enforcado, acabei por entrar numa discussão idiota. Eu achava que estava só a conversar com uma pessoa. A emitir opiniões. A ouvir opiniões. Porque eu também sou pela defesa dos animais mas não sou é fundamentalista, nem autista, nem ceguinha, para não entender que o que se passou foi um acto de manifestação e contestação sabemos todos muito bem porquê.
E eu nem sou de teimar com discussões que nem levam a lado nenhum mas, enfim, creio que também tenho direito à minha opinião.
Tentava eu defender a ideia de que um coelho é um coelho. Nós comemos coelhos, certo? Não era um cão, certo? Nós não comemos cães, certo? Tentava explicar que isso para mim faz toda a diferença.
Mas depois não há qualquer hipótese em manter uma conversa sensata quando os defensores dos animais se tornam fundamentalistas. Por mais que se queira, não dão qualquer chance. A razão só pode estar sempre do lado deles. E depois vem aquela ladainha de que "assim se vê o estado em que está este país" e de que "somos um povo ignorante" e blá blá blá...
E eu só posso pensar: somos sim senhor! um país de gente ignorante e tonta por não conseguirem dar o salto e saírem do modo vamos-lá-falar-mal-de-tudo.
Este prazer que temos em nos mandar abaixo não é a minha onda. Não alinho. Ponto.
E nisto, em menos de nada, estava uma multidão a crucificar-me por eu não entrar no esquema fácil de criticar tudo gratuitamente e por não me indignar com o choque do coelho enforcado.
Desculpem-me os fundamentalistas da defesa dos direitos dos animais!
Sim, fundamentalistas. São fundamentalistas. São. São. São. Olhem para mim agora a teimar!
Não vejo estes fundamentalismos em causas contra os maus tratos humanos, não vejo estes fundamentalismos para defender a nossa economia, não vejo estes fundamentalismos para dar educação às crianças que estão cada vez mais ignorantes, iletradas e mal-educadas.
Mas isso é outro assunto, não é assim?
Agora vou ter de puxar da conversa do costume em minha defesa: eu tenho cães, já tive gatos, hamsters, piriquitos, bichos da seda, peixes, um pombo e até, pasmem-se... um coelho.
Devo dizer que apesar de terem sido tratados como animais domésticos, o pombo e o coelho foram parar à panela. Foram sim senhor! Um belo de um arroz de coelho e uma rica canja. Sim, naquele tempo em que os vizinhos ainda davam coisas uns aos outros. Coisas importantes como alimentos. No tempo em que a comida era um bem importante. Em que não se estragava comida. Em que se comiam restos do dia anterior porque não há mal nenhum nisso. Naquele tempo em que as mãezinha metiam regras em casa e na educação dos miúdos e não tinham medo de traumatizar as crianças ao obrigá-las a comer a sopa ou com uma conversa adulta para explicar que "alguns animais servem para comermos".
Também por isso aprendi a respeitar os animais.
Eu sei o valor deles e o valor que eles têm na nossa vida.
Aprendi que servem para nos alimentar e não só. Alimentam-nos de várias maneiras. Os outros animais que tive serviram para me alimentar de conhecimento, de sensibilidade, de respeito vida, pela amizade, pela lealdade. Com os meus animais de estimação vi o milagre da procriação e do nascimento. Dos afectos entre animais e entre os homens e os animais. Sou a primeira a defender o convívio entre animais e crianças desde cedo.
Os meus cães foram todos trazidos da rua. Não os comprei por uma fortuna. Não escolhi o "modelo" por capricho. Nunca os tratei apenas como cães mas como família. Mas sei que são cães. Não dormem nas nossas camas. Não comem connosco à mesa e não ditam regras lá em casa.
Mas são cães tratados melhor que muita gente nesta vida. Asseguro que gasto mais dinheiro em veterinário com eles do que em médicos comigo.
Creio que este respeito se faz, também, deste distanciamento. Eles e nós sabemos os nossos lugares e pronto.
Mas eu também sei distinguir as coisas.
Sei que na nossa cultura e na nossa sociedade não se comem cães e achamo-lo absurdo, e também sei que achamos esquisito na Índia não comerem vacas por as considerarem sagradas.
Também sei que na nossa cultura ocidental os coelhos fazem parte da nossa cadeia alimentar. Que estão à venda em talhos para quem os quiser ver, esfolados, como os porcos, as vacas, as galinhas... Também sei que a hipocrisia nos faz esquecer que são animais, se eles já estiverem todos retalhados em bocados numa vitrine. Se estiverem à peças até nos esquecemos do nome que têm. Passam a ser salsichas e hamburgueres, filet mignons e magrets, carrets e foies grás. Anónimos. Sem focinho, nem habitat.
No fundo, choca-nos ver um coelho pendurado pelo pescoço por sermos confrontados connosco. Por nos doer a nós. Não tem nada a ver com o animal. Temos é medo de nós. De pensarmos nos actos fantásticos e imprevisíveis do ser humano.
Fomos presas, fomos predadores, somos caçadores.
Sem choque, sem falsos moralismos: nós somos, por natureza, carnívoros.
(E não se preocupem que o animal da foto tem só um corte de pêlo à maneira. Ninguém o tratou mal)