(quem não gosta de posts ressabiados, por favor não leia este)
A maltinha gosta muito de falar da vida alheia. Já se sabe que sim. E quando essa maltinha vive nas profundezas do Alentejo e nunca viu outra coisa na vida que não fossem batas de nylon com padrões esteticamente questionáveis e sapatinhos ortopédicos, então estamos mesmo mal. E eu percebo isso tudo em aldeãs de 99 anos, mas já me custa mais a aceitar em gajas de 30 e tal anos que vivem na cidade.
Sempre fui bagagem fora de formato por cá. Eu sei, reconheço e não me sinto mal com isso. Umas roupas esquisitas, uns sapatos diferentes, uma personalidade descontraída (epá isso é que não! Então a malta anda-se a suicidar em massa por causa de sermos uns deprimidos e vem para aqui esta gaja rir-se?) … Enfim, vê-se a milhas que não sou de cá e ainda não me moldei totalmente à coisa. Mas não espero tratamento especial por isso, muito pelo contrário. Esperava a esta altura do campeonato que olhassem para mim e já não vissem nada. Ou melhor, que me vissem de bata de nylon e sapatos ortopédicos e ficassem sossegados.
Não generalizando (que é coisa que eu até gosto muito de fazer mas hoje não em apetece), admito que não sinto olhares reprovadores de toda a gente, mas a verdade é que ainda os há.
Desde opinarem sobre uns sapatos “demasiado coloridos”, a aconselharem-me a não usar roupa preta, a dizerem que me viram aos beijos na boca com um colega que é casado (e não muito atraente), até tentarem humilhar-me relativamente à minha condição física, tem valido de tudo nestes anos que estou por cá. E eu continuo sem cu para aturar isto.
E se dúvidas tivesse, de que ainda não me olham como igual, de quando em vez lá sou brindada com comentários de gente que devia estar a trabalhar mas prefere passar o tempo a falar dos outros. E ainda dizem que não há trabalho no Alentejo! Então não há? Falar da vida dos outros dá um trabalho dos diabos.
E foi assim, mais uma vez, que um destes dias lá tive de ouvir mais um comentário (por favor tentem falar mais baixo se a ideia for eu não ouvir) quando entrei no café perto do trabalho e duas coleguinhas encostadas ao balcão trocaram este diálogo, em relação à minha pessoa, como não podia deixar de ser:
- Esta está mais magra.
- Não acho. Já a vi melhor.
Eu sei. Foi curto e desenxabido. Podiam ter descambado também na cor das unhas dos pés. Mas foi só mesmo isto e eu não sou de inventar.
Isto, entenda-se, foi dito enquanto aqueles quatro olhinhos que não deviam existir, me percorreram de baixo para cima, culminando no meu encantador sorriso que lhes denunciou imediatamente que eu ouvi a conversa. E eu percebo esta ordem, uma vez que a minha estonteante variedade de sapatos é coisa para ser apreciada em primeiro plano, sobretudo para quem não alterna muito entre chinelos e pantufas. O meu sorriso… enfim… preferem deixar para último para não serem confrontadas com a minha excelsa e exemplar dentição… que isto de ter os dentes todos às vezes atrapalha as pessoas e podiam já não conseguir continuar a destilar veneno o resto do dia. Mas adiante.
Posto isto, ainda houve tempo para largarem um “vamos embora que já falámos mal de toda a gente”, e lá levantaram aqueles cotovelos desidratados do balcão, colocando as carteiras debaixo dos sovacos e arrastando os pés cheios de calosidades dali para fora.
Agora, analisando aquelas pessoas, e podendo descambar nelas da maneira menos polida possível, eu prometo aqui e agora que não o irei fazer. Pois que não irão sair das pontas destes dedos comentários desagradáveis dirigidos àquelas duas pessoas. Porque reconheço – porque sim, sou boazinha – que a uma delas bem chega pesar dez arrobas e parecer um lenhador, e à outra bem chega ser uma mal fodida e ter cara de acidente nuclear numas minas de carvão. E ser mal fodida é coisa que colhe toda a minha solidariedade, por isso não vou falar mal. Desejo apenas que ela se vá foder (Isto é libertador. Têm de experimentar em voz alta).
Também sinto alguma simpatia pela outra, por pesar mais de dez arrobas e também ser uma mal fodida, mas isso é culpa dela, por isso que se lixe. Vá, quanto muito poupo-a por ter sido aquela que achou que eu estava mais magra (mas honey, perto de ti todaaaaa gente está mais magra).
Eu fui sempre bagagem fora de formato cá no burgo e não creio que isto tenda a alterar-se. Bem sei que muitas vezes a exclusão e discriminação começam na própria pessoa e na atitude que tem para com os outros, ou que opta por ter nos meios em que se move. Não é o caso. Garanto. Não é o caso.
Agora, para finalizar, apenas peço:
Deixem lá de reparar se estou gorda ou se estou magra, se venho de saltos altos ou descalça, e se comi dois gajos ou três na semana passada. Se não se sentem bem convosco, façam por estar. Já em tempos ouvi uma grande verdade, relativamente aos comportamentos que temos em relação aos outros, dizerem muito sobre nós próprios. Ouvi dizerem: “Há qualquer coisa naquela pessoa que não gosto em mim”.
E se calhar é isso mesmo. Eu tenho qualquer coisa que vocês, não gostam em vocês mesmas.
E esta é de borla.
Vão lá para casa pensar no assunto.