11.7.12

Bagagem fora de formato




(quem não gosta de posts ressabiados, por favor não leia este)

A maltinha gosta muito de falar da vida alheia. Já se sabe que sim. E quando essa maltinha vive nas profundezas do Alentejo e nunca viu outra coisa na vida que não fossem batas de nylon com padrões esteticamente questionáveis e sapatinhos ortopédicos, então estamos mesmo mal. E eu percebo isso tudo em aldeãs de 99 anos, mas já me custa mais a aceitar em gajas de 30 e tal anos que vivem na cidade.
Sempre fui bagagem fora de formato por cá. Eu sei, reconheço e não me sinto mal com isso. Umas roupas esquisitas, uns sapatos diferentes, uma personalidade descontraída (epá isso é que não! Então a malta anda-se a suicidar em massa por causa de sermos uns deprimidos e vem para aqui esta gaja rir-se?) … Enfim, vê-se a milhas que não sou de cá e ainda não me moldei totalmente à coisa. Mas não espero tratamento especial por isso, muito pelo contrário. Esperava a esta altura do campeonato que olhassem para mim e já não vissem nada. Ou melhor, que me vissem de bata de nylon e sapatos ortopédicos e ficassem sossegados.
Não generalizando (que é coisa que eu até gosto muito de fazer mas hoje não em apetece), admito que não sinto olhares reprovadores de toda a gente, mas a verdade é que ainda os há.
Desde opinarem sobre uns sapatos “demasiado coloridos”, a aconselharem-me a não usar roupa preta, a dizerem que me viram aos beijos na boca com um colega que é casado (e não muito atraente), até tentarem humilhar-me relativamente à minha condição física, tem valido de tudo nestes anos que estou por cá. E eu continuo sem cu para aturar isto.
E se dúvidas tivesse, de que ainda não me olham como igual, de quando em vez lá sou brindada com comentários de gente que devia estar a trabalhar mas prefere passar o tempo a falar dos outros. E ainda dizem que não há trabalho no Alentejo! Então não há? Falar da vida dos outros dá um trabalho dos diabos.
E foi assim, mais uma vez, que um destes dias lá tive de ouvir mais um comentário (por favor tentem falar mais baixo se a ideia for eu não ouvir) quando entrei no café perto do trabalho e duas coleguinhas encostadas ao balcão trocaram este diálogo, em relação à minha pessoa, como não podia deixar de ser:
- Esta está mais magra.
- Não acho. Já a vi melhor.

Eu sei. Foi curto e desenxabido. Podiam ter descambado também na cor das unhas dos pés. Mas foi só mesmo isto e eu não sou de inventar.
Isto, entenda-se, foi dito enquanto aqueles quatro olhinhos que não deviam existir, me percorreram de baixo para cima, culminando no meu encantador sorriso que lhes denunciou imediatamente que eu ouvi a conversa. E eu percebo esta ordem, uma vez que a minha estonteante variedade de sapatos é coisa para ser apreciada em primeiro plano, sobretudo para quem não alterna muito entre chinelos e pantufas. O meu sorriso… enfim… preferem deixar para último para não serem confrontadas com a minha excelsa e exemplar dentição… que isto de ter os dentes todos às vezes atrapalha as pessoas e podiam já não conseguir continuar a destilar veneno o resto do dia. Mas adiante.
Posto isto, ainda houve tempo para largarem um “vamos embora que já falámos mal de toda a gente”, e lá levantaram aqueles cotovelos desidratados do balcão, colocando as carteiras debaixo dos sovacos e arrastando os pés cheios de calosidades dali para fora.  
Agora, analisando aquelas pessoas, e podendo descambar nelas da maneira menos polida possível, eu prometo aqui e agora que não o irei fazer. Pois que não irão sair das pontas destes dedos comentários desagradáveis dirigidos àquelas duas pessoas. Porque reconheço – porque sim, sou boazinha – que a uma delas bem chega pesar dez arrobas e parecer um lenhador, e à outra bem chega ser uma mal fodida e ter cara de acidente nuclear numas minas de carvão. E ser mal fodida é coisa que colhe toda a minha solidariedade, por isso não vou falar mal. Desejo apenas que ela se vá foder (Isto é libertador. Têm de experimentar em voz alta).
Também sinto alguma simpatia pela outra, por pesar mais de dez arrobas e também ser uma mal fodida, mas isso é culpa dela, por isso que se lixe. Vá, quanto muito poupo-a por ter sido aquela que achou que eu estava mais magra (mas honey, perto de ti todaaaaa gente está mais magra).

Eu fui sempre bagagem fora de formato cá no burgo e não creio que isto tenda a alterar-se. Bem sei que muitas vezes a exclusão e discriminação começam na própria pessoa e na atitude que tem para com os outros, ou que opta por ter nos meios em que se move. Não é o caso. Garanto. Não é o caso.

Agora, para finalizar, apenas peço:
Deixem lá de reparar se estou gorda ou se estou magra, se venho de saltos altos ou descalça, e se comi dois gajos ou três na semana passada. Se não se sentem bem convosco, façam por estar. Já em tempos ouvi uma grande verdade, relativamente aos comportamentos que temos em relação aos outros, dizerem muito sobre nós próprios. Ouvi dizerem: “Há qualquer coisa naquela pessoa que não gosto em mim”.
E se calhar é isso mesmo. Eu tenho qualquer coisa que vocês, não gostam em vocês mesmas.
E esta é de borla.
Vão lá para casa pensar no assunto.




25 comentários:

  1. Desabafar assim, por vezes, sabe muito bem, e olha, sabes bem que há pelo menos uma mulher que te acha linda!
    :))

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    1. Ah, que querida :)
      (queres receber em dinheiro ou faço transferência? ahahaha...)

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  2. Belíssimo, as usual.

    Só corrigia ali o "descriminação" (na net ha uma definição para gajos como eu: "grammar nazi").

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    1. Corrigido :)
      Só tenho a agradecer, porque se há coisa que não gosto é de encontrar erros, e meus então...
      Sinceramente, o meu grande obrigada.

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  3. Olá, DC. Sou o R., o fantasma do blog da nAnomina (ou serei o seu alter-ego?)e só passei aqui para te dizer olá, já que o cumprimento que te dirigi no blog dela desapareceu.

    Ah, e gosto muito de sapatos coloridos e personalidade descontraída.

    R.

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    1. Olha, olha, Mr. R. in the house :)
      Antes de mais, bem-vindo!
      Espero mais visitas (o texto de hoje é particularmente desprovido de interesse mas tenho dias melhores) a este modesto blog.
      Bj

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  4. Isso é que foi desabafar e desancar... Merecem! Coscuvilhice, maldizeres, metidice, gente que não tem mais nada que fazer, invejosas, mal amadas, enganadas, masturbam-se nestas conversas de ouvido, do diz que disse, do não disse mas podia ter dito, do despir os outros com os olhos, do beatismo, do porra coisa nenhuma...
    Fez bem no seu desabafo...
    Mas não é só por Évora... suba até Portalegre e logo vai ver como se vai sentir dissecada, mirada, comentada, malfalada, apontada...
    Continue na sua... eu apoio, não critico, não falo mal... o despir só no real!
    Beijos
    Raul

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    1. Não sou melhor que os outros e também gosto de uma sessão de corte e costura de vez em quando, mas quando é connosco nunca gostamos. E eu não hei-de gostar nunca!
      E aquelas duas são péssimas e quero mais é que lixem :)
      Beijos (vestidos)

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  5. Obrigado pelas boas vindas. Visitarei com certeza o teu blog mais vezes.

    Curioso, de algum modo esperava que os meus comentários também não ficassem disponíveis aqui. Se calhar não é problema de browser. Fantasmas?

    R.

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    1. Eu sou uma miúda do mais esperto que há ;)
      Não há browser com problemas que me trave.
      Não há fantasmas que me apoquentem.

      I.

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    2. hum... portanto, eu sou burra?... hum...

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    3. Oh minha querida, ciúmes a estas horas é que não :)
      Tu és muitooooo mais inteligente que eu.
      Eu sou apenas esperta.
      E ser esperta não é necessariamente bom.

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  6. Por olhar para os sapatos dessas duas Senhoras, não me digas que compras os teus Louboutin em NY no Bloomingdales, simplesmente ADORO.....

    La Vie en Rose

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    1. Sou pessoa de fracas posses para embarcar nuns Louboutin, mas creio (e corrija-me se estiver errada) que estilo não tem que ver com dinheiro.
      Mas em todo o caso, se me quiser fazer uma surpresa, pode mandar estes cá para casa que eu faço o favor de os calçar.

      http://us.christianlouboutin.com/shoes-1/boots/zepita-veau-velours-28966.html

      E lamento informar que não vale a pena ir até NY ao Bloomingdales, porque esta coisa chamada internet já permite encomendar o que bem lhe apetecer e, mais triste ainda, é que nem vendem Louboutin. Uma pena...
      Mais depressa os encontra na Av. da Liberdade.

      http://www.bloomingdales.com/?cm_mmc=google-_-Brand+Terms-+All+Shipped+Countries-_-Bloomingdale%27s-_-s_bloomingdales.__21775787869&mkwid=shgRWtrS2&pcrid=21775787869&keyword=bloomingdales.&matchtype=e

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  7. Só venho aqui comentar que este blogue é excepcional. Foge, felizmente, ao cliché do blogue tradicional. 'Perdi' boa parte da tarde a ler textos daqui. Parabéns

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    1. Antes de mais, bem-vinda!
      E muito, muito obrigada pelo comentário.
      Sinto-me, verdadeiramente, lisonjeada.

      Cá no continuaremos a encontrar.

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    1. Só me falta um bebé :)
      (Mas isso é outro campeonato... acho que não tenho pernas para tanto).
      Beijinhos

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  9. LOLOL. Tenho estado divertido a tentar adivinhar quem serão as "duas mal fodidas"! :)

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    1. Só aqui entre nós, como bem sabes, podem ser um milhão delas. Eu depois digo-te quem são as princesas :)

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  10. Uf, conheço a sensação, toda a vida foi assim comigo também. É das coisas que menos suporto em Portugal e quanto mais pequena a terra, pior. Má-língua é desporto nacional porque as pessoas vivem, de uma forma geral, muito desocupadas mentalmente, é esse o problema. Isto foi uma das coisas com que deixei de me deparar quando saí do país e foi uma grande libertação.

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    1. É que nem eu diria melhor.
      É isso mesmo, sem tirar nem por.
      Bjs

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