A senhora
M. vestia todos os dias o mesmo fato. Vestia todos os dias o mesmo fato, há
mais de quinze anos. E nesses quinze anos o seu fato já tinha estado ora
apertado, ora folgado. Ora puído, ora lustroso. Nuns dias o fato parecia
assentar-lhe na perfeição mas em muitos outros dias nem se conseguia olhar ao
espelho. Achava aquele fato um truque de ilusionismo do qual não se conseguia livrar. Por vezes odiava-o e queria um novo mas não sabia como o conseguir.
Angustiava-se. Sofria sozinha. Silenciava a dor. Sonhava que um dia acordava e
tinha um fato novo. Ali mesmo, sem esforço. Mas no fundo do seu ser sabia que
isso nunca iria acontecer. E então lá continuava, atormentada com a realidade,
a tentar mudar qualquer coisa que fosse no seu fato, sem saber como. A dar-lhe
a graça que não tinha.
Por vezes,
a senhora M. ganhava coragem e lá se dispunha a fazer umas pequenas emendas no
fato. Cortava ali, cozia acolá. Apertava de um lado, esticava para o outro.
Mais umas pregas, umas bainhas e, por vezes, muito raramente, até parecia que a
coisa se ia ajeitar. Mas a costura não era o seu condão e acabava por
desarranjar o que parecia já estar bem alinhavado. Era trapalhona e não sabia
cuidar bem do seu fato. Acabava a estragar, logo depois, o pouco que tinha
conseguido fazer.
Uma coisa
era certa: aquele fato não pertencia à senhora M. e a senhora M. nunca gostou
daquele fato.
A cada
dia que passava ganhava-lhe cada vez mais aversão. Queria acabar com ele.
Queria sentir-se linda num fato novo. Fazer girar cabeças na rua. Soltar
comentários elogiosos das bocas de homens e mulheres. Queria que vissem linda
por fora, como sabia ser por dentro.
Um dia
saiu à rua com o peito cheio de coragem para comprar outro fato. Voltou para
casa, de braços rendidos e de tristeza desenhada no rosto. Desistiu de comprar
o fato. Desistiu de mostrar uma coisa que não era.
Entregou-se
ao inevitável. Passou o velho fato a ferro e voltou a vesti-lo. Continuou
assim, infeliz, de braços estendidos, à espera que um dia alguém lhe veja a
beleza, tal e qual como ela é.
O fato
até podia ser medíocre, mas foi o único que a senhora M. teve, e aquele com o qual teve de
aprender a viver.
resignação?...
ResponderEliminarUm texto bonito e ao mesmo tempo muito triste.
ResponderEliminarGostei muito Inês.
bjs
Sabe quando levas "um tapa com luvas de pelica?"Pois, foi o que teu texto fez a mim.Resignei-me.Mas ainda não me rendi!Lindo texto, mesmo triste!!!Bjs
ResponderEliminar... e assim se aprende a viver !
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