2.8.12

O meu coração. As tuas artérias. O nosso sangue.


Do meu Coração


O meu coração andava moribundo. Sem pinga de sangue nem fulgor. Corria-me pelas veias, solitário, para lá e para cá, sem emoção. Sem destino. Perdido. Corria-me pelo corpo, acabado, pálido, como rios e ribeiros que se tornam lentos até se sumirem. Que se esgotam num fiozinho, até secarem.
Ao meu coração faltava rumo e corrente. Faltava força e vontade de querer. Andava fraco, quase morto, porque não queria bater. 
Os meus rios e ribeiros procuravam um local para desaguar onde sentissem que, no encontro com outras águas, não existiria o doce ou o salgado. Que as suas águas doces se iriam juntar a um imenso mar salgado e, de repente, seriam um só. Este coração, morto e sem sangue, apenas o era porque não encontrava um mar forte e corajoso que o fizesse viver. Era apenas um coração sozinho sem caminhos para alguém lá chegar. Era um coração desligado das artérias que o fazem bombear. 

Das tuas Artérias

No teu corpo, o mais tumultuoso dos mares sobrevive. Vive em ti esse sangue salgado e inóspito. Revoltoso e indignado. Vives forte e aceitando sempre o avanço das marés, sem medo que a maré te vire o barco. Enfrentas, de peito feito, o ardiloso destino que o teu sangue te reservou. Os caminhos por ele percorridos, cheios de abismos e obstáculos, parecem fáceis às muitas lutas travadas. Lutas silenciosas e solitárias que gritavam por companhia. Lutavam por chegar a um lugar que desconhecias mas sabias querer alcançar. Subias a pulso todas as margens das tuas artérias para desaguar num desconhecido lugar. Subias a pulso por saberes que o melhor estava por concretizar. Desconhecias-me o coração mas soubeste sempre que não havia outro para conquistar.
Na chegada do teu sangue ao meu coração, a máquina começou a funcionar.

Faremos o Nosso Sangue

Um dia a bravura da tua corrente lutou para chegar até mim. Remaste contra esse mar que vive dentro das tuas artérias para me chegares ao coração. As tuas artérias ligaram-se a mim. Abraçaram-me o coração e uniram esse mar salgado, aos meus rios e ribeiros de águas doces.
Ao galgar as margens das tuas artérias, esse sangue audaz soube invadir o meu coração. Arrebatou-me e casou-se comigo num dia inesperado. O teu sangue ultrapassou todas as margens e entrou por esta casa abandonada, desenfreado, arrombando-lhe a porta sem medo. Percorreu-lhe todos os caminhos e instalou-se para sempre na mais nobre das divisões. Chegaste ao meu coração e sentaste-te no trono que há muito era teu. Aguardava por ti sozinha, na certeza de que um dia ias chegar. 

O meu coração bate agora com vida, porque as tuas artérias lhe trouxeram um futuro inteiro.




 

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