16.3.11

A beleza das coisas complexas



Mais uma vez, vou ter de discordar do mundo. A beleza não está nas coisas simples. Para mim, a beleza está nas coisas mais complexas: as coisas que não se vêm.
O som, as palavras, o cheiro, o vento, o olhar, o sentir, o tocar. 
Hoje vi isso tudo num só instante. Hoje presenciei o mais complexo momento da natureza humana no seu mais elevado esplendor. Durante aquele instante percebi que o princípio de todas as coisas está naquilo que não existe. 
O tom silencioso da atmosfera não foi incómodo, mas uma sinfonia de perfeição para os meus ouvidos. Aquele silêncio bom que existe entre as pessoas, quando a estas lhe chega sentir a companhia do calor dos outros. 
As pequenas palavras que se balbuciam, aqui e ali, sem o sentido religioso que a ocasião pedia, porque os sons sem nexo são o princípio de um destino prodigioso. 
O cheiro... o cheiro... adocicado, como se o caramelo se tivesse pegado ao fundo da panela. O cheiro que se desconhece a origem, mas que perfuma um momento que ficará para sempre retido na memória. Aquele cheiro vai ser sempre a referência deste dia em que te vi. 
O ar leve. Quase sem ar. Quase um vácuo. Limpo, puro. Como tu, pequeno milagre. 
O olhar, sem profundidade. Sem querer saber o que está além. O olhar de quem se deixa penetrar por não ter nada a esconder. Meigo. Inocente. Como eu queria dar-te na mesma medida.
O sentir e o tocar. Sentir. Tocar. Sentir. Tocar. Perfeito. Como teias que se vão estendendo a cada toque que se dá. Uma rede foi criada em teu redor para que a protecção nunca te falte.
Hoje presenciei o mais belo de todos os momentos, sem que houvesse alguma coisa para ver.
O amor que um progenitor dá à sua cria não precisa de se ver em lambidelas. O milagre de lhe dar a vida continua a cada gesto invisível que a sua teia desenha.
Hoje, pequeno milagre, vi-te ser amada pelos que te conceberam sem que sequer te tocassem. 
A tua luz acendeu-se. Ganharam-se vidas. Deste vida, para que fosse possível viver a tua. Acto abnegado de amor que envergonha qualquer mortal cego.
Dar vida, é dar esperança de voltar a amar. 
Dar vida, é recebê-la de volta e vivê-la com o coração fora do peito.
A beleza está mesmo nas coisas mais complexas. Aquelas que ninguém vê.


1 comentário:

  1. Muito. Agradavelmente surpreendido. Simples o suficiente para lembrar uma complexidade que não se vê. Adorei.

    Nuno Camelo

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