7.7.17

Fingimento




Neste momento existe um grupo de pessoas felizes, a conviver, a comer, a beber copos e a conversar. A serem pessoas, no fundo, e eu fugi de lá. Sem sair. Evadi-me apenas.
Das coisas mais curiosas que podemos sentir, é quando o nosso corpo não é nosso e estamos dentro dele a observar o que se passa lá fora.
Hoje sinto-me assim. Como em tantas outras vezes. Ou estava a sentir-me assim naquele grupo de pessoas. Os meus olhos pareciam observar uma cena fora da realidade e eu estava ali a forçar-me a ser como eles. A reagir, a conversar, a sorrir, a andar, a movimentar-me como todos eles.
Aquele grupo de pessoas felizes, estavam todos tão felizes como eu. Aposto. Talvez seja isso. Uma espécie de pólos invertidos que acabam por se repelir em vez de se atraírem. Talvez cada um, à sua maneira, estivesse a encenar a sua verdade. E eu, dentro daquele corpo emprestado, observava, não segura, o que cada um estava a tentar fazer. Perante olhares desatentos até diria que alguns cumpriram bem o seu papel mas outros denunciaram o que eu suspeitava: estávamos todos dentro de outros corpos que não queríamos estar. A representar papéis que não queríamos representar.
É trágico, e simultaneamente fascinante, observar-se a cena estando em palco. Se, por um lado, fazemos parte do elenco e isso nos coloca no papel que não queremos desempenhar, por outro lado, temos a possibilidade de ver de perto a dança de todas as personagens. A representação. Os risinhos e as amarguras que mais não são que emoções arrancadas de um guião. Inconscientes, mas, ainda assim, encenadas.
Estar no palco, é poder ver o desconcerto de cada uma das personagens quando se esquecem de uma deixa. É ver as pessoas a encruarem-se. A serem reais por milésimos de segundo. A serem aquilo que deveríamos ser sempre: nós próprios.
Apesar das mãos suadas de ansiedade, os palcos onde cada um se encontrava a representar nunca foram abandonados. Seguem, mesmo à deriva, com um guião improvisado, na esperançada angustia que ninguém repare naquele desconcerto. Que o público, que mais não é que parte integrante do espectáculo, não repare. Não vai reparar. O público anseia que ninguém olhe para eles e lhes desvende o mesmo mistério. Afinal, não há palco nem plateia. Estamos entre iguais. 
Eu há muito que abandonei o meu lugar, com a habilidade de um bom actor que já desistiu da peça mas ninguém reparou. Apenas me mantenho de pé. Com as pernas firmes e o rosto estendido. Para ninguém desconfiar. Assim, o drama não toma conta de todos e não se alastra como um rastilho desgovernado.
Assim, só eu, apenas eu, sei aquilo que todos sabem dentro de si mas não ousam, sequer, a si próprios confessar: somos todos fingidores.




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