17.6.12

Da tua janela dói-me o peito



Um dia decidiste dizer que ias embora. E foste. De uma maneira fugida. Não como quem foge de alguém, mas como quem foge de si. E isso ainda me doeu mais. Isso ainda me dói.

Agora, que te revejo as ideias, imagino as deambulações dessa alma atormentada para manter um segredo assim. Vejo-te nessa situação hesitante. Acordando um dia de peito feito mas escondendo as ideias que em ti nasciam. Aprofundando sem fim a vontade de partir, mas ocultando no rosto e nas palavras os avanços dos teus planos. Partiste um dia, quase em segredo, ainda mal tinhas pavoneado a novidade. Ainda mal tinhas arrumado as ideias e a vida. Ainda mal tinhas olhado o que deixavas para trás. Mas um dia decidiste dizer que ias embora. E foste.

Saíste um dia de casa, deixando os móveis assombrados pelo despejo dos teus bens. Deixaste as gavetas vazias e as janelas cerradas. Abandonaste tudo em ti e roubaste o significado à palavra lar. A luz, que entrava generosa pela janela, não mais aqueceu o quarto onde dormias. Sentiu-se traída, a janela velha e agora teima em não funcionar. Diz que lhe fazes falta. Diz que só tu a fazes chiar. O soalho, esse, morreu pela falta dos teus passos. Secou de desgosto e não consegue mais brilhar. Inerte , como me encontro, nem o consigo consolar. Os meus passos não lhe iludem a tua presença.

De vez em quando consigo entrar no teu quarto. Primeiro olho-o de longe. Espreito-lhe o espírito. Sinto-lhe a ausência. E ele, de vez em quando, lá me deixa entrar. De passos sorrateiros para não perturbar o soalho, passo as mãos pelos móveis vazios que ali deixaste. E eles nem mexem. Morreram de desgosto e solidão. E eu deixo-os. Não apoquento os seus vazios. Também não gosto que apoquentem os meus.

De pé em pé, lá vagueio pelo quarto para ir poisar na janela. De todas as vezes, dirigi-me sempre à janela. Ela não reclama nem  resiste e, por vezes, noto-lhe a generosidade do peitoril. Sente falta que alguém por ali espreite, e eu faço-lhe a vontade. Penduro-me nela e perco o olhar. Perco as horas no pensar. Finco bem os pés no pequeno banco de madeira, agarro o peitoril com tremores, e espreito. Penduro-me nela e perco o olhar na esperança de te ver voltar. Mas um dia decidiste dizer que ias embora. E foste.

Aquele banco, ali abandonado, resiste sozinho naquele soalho mal-tratado. Como tu. Sozinho em cima das pernas a aguentar o peso do desconhecido. A lutar por ser atingido por um clarão. Por vezes, também eu fico assim. Apenas suspensa nas pernas, a olhar para o longe, como se o longe fosse logo ali. Mas não é. Como se o tal clarão te trouxesse de volta, mas não traz.

Espero que te aguentes nas tuas pernas, mas se não aguentares volta, porque tens outras tantas em casa à tua espera. Tantas quantas as pernas que tem o banco. E ele, bem o vez, continua firme à tua espera.




19 comentários:

  1. Não li o texto, mas acredito que esteja muito bonito. vim cá só por causa dessa fotografia. Se for tua quero casar contigo, mesmo que sejas um homem (como vês não sei mesmo nada sobre ti, sou um hipócrita).

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    1. Tiago,

      Tenho más notícias: temos de marcar a data.
      O WHITE-NEON http://white-neon.tumblr.com/ é apenas mais um dos meus amores (ainda secreto... até tu vires indagar).

      E tenho outra má notícia: sou mulher, conforme facilmente se constata no post anterior http://www.diascaes.blogspot.pt/2012/06/na-minha-ausencia.html

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  2. Quantas vezes as saídas são feitas de retornares, e quantas de não voltares...
    Ainda bem que o banco, esse, apesar das pernas todas, não quis andar dali para fora e se tem aguentado imóvel e solidário ao seu lugar...
    Lindo texto, feito de amor saudoso, de ternura inquieta, de desejos lembrados...
    Um beijo de emoção serena!
    Raul

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    1. Saudades assim, só se sentem por alguém que é do mesmo sangue.
      E a minha metade de ADN escapuliu-se. Mas há-de voltar.
      Por agora deixou-me apenas um banco e uma janela para espreitar.
      Bjs.

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  3. Não resisti e fui ao seu White-on, que deixou de ser secreto... Esconder imagens tão lindas. apelativas, tão minimalistas, algumas, é crime de lesa-cultura.
    Todos os dias somos surpreendidos por maravilhas que nem imaginamos estarem, assim, tão perto de nós...
    Duplamente fã.
    Obrigado por me ter permitido espreitar o pseudo-segredo.
    Bjs
    Raul

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  4. Ao término da leitura de teu texto imediatamente tive a lembrança de meu avô.Sentado em um banco ao lado do fogão a lenha, espreitando pela janela nossa chegada(minha e de meus irmãos).Não há mais o fogão a lenha, apenas a saudade da infância.E um segredo que compartilho contigo: ele retornará na forma de um menino,um anjo que já não é apenas projeto.Em dezembro.Obrigada por teres me emocionado! bj

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    1. Oh Márcia! Isso quer dizer o que eu estou a pensar?
      Está à espera de um bebé?
      Emocionada fico eu... Obrigada pela partilha... É daqueles momentos inéditos. Realmente este blog tem-me trazido de tudo.
      A nascer em Dezembro, será Sagitário ou Capricórnio (como eu), e isso deixa-me contente. Assim será mais um ponto de aproximação entre nós, apesar deste imenso oceano que nos separa.
      Um gande beijo.
      Vou querer saber novidades.

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  5. Oh, DC! Não, não estou grávida, embora esteja desejosa para que aconteça! Minha irmã, minha amada irmã está esperando um menino.Mas sinto-me feliz e ansiosa pela chegada deste sobrinho lindo como se também fosse meu.E, sim ele chegará em Dezembro, provavelmente será sagitariano pelos cálculos do obstetra.Enviarei e-mail contando os detalhes.Bjs

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    1. Ahhhhh... e eu a pensar que tinha aqui um anúncio (quase) em directo.
      Mas fico feliz na mesma.
      Beijinhos (vou até ao mail).

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  6. Uma despedida com laivos de reencontro breve.
    Belas palavras.

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  7. ja vim a este post várias vezes. saio sempre sem te dizer nada. sobre o texto, não te consigo dizer nada. custa-me.

    bj

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    1. Mas podes dizê-lo de modo privado, bem o sabes.
      Beijinhos ;)

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  8. Já "fugi" um dia.
    Às vezes tem mesmo de ser, outras, é uma bela porcaria, que gera arrependimento, e outras, não passa de puro egoísmo.

    O pior são aquelas partidas obrigatórias, que, forçosamente, não têm retorno.
    O resto? Tudo o resto se resolve. Bem, ou mal. Mas resolve-se.

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    1. E ele volta. Claro que volta.
      As saudades é que por vezes nos toldam os pensamentos e fazem-nos acreditar que a ausência vai ser para sempre.
      Quando ele voltar também vou escrever sobre isso e tom irá ser outro, certamente.

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    1. Agradeço sempre as correcções.
      A última palavra, a última... e eu à procura lá no meio do texto :)
      Obrigada.

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