13.2.13

Dêem-me tau-taus que eu gosto!





Sou pessoa para não perceber nada do Sistema Nacional de Saúde, nem se o serviço de saúde público é melhor que o privado, nem se faço melhor em ir para as urgências no privado ou no público.
Eu sou pessoa para ir onde é bom, bonito e barato. 
Nos tempos em que não tinha seguro de saúde ia, como é evidente, aos hospitais e centros de saúde daqueles tão públicos como casas-de-banho de jardim mas desde que comecei a pagar um seguro, naturalmente, que faço por usufruir das suas vantagens. Passei a recorrer ao sector privado.
Primeiro sentia-me um bocado snob-ó-parola por ser uma pindérica sem tostão que entrava pelo hospital privado adentro como se tivesse uns quinhentos euros para largar por uma consulta às unhas dos pés mas, desde que as taxas moderadoras no serviço público dispararam ridiculamente (ao ponto de ser mais barato ter um seguro e frequentar o privado) deixei-me de pudores e pesos de consciência.

Hoje lá fui eu ao Sr. Hospital Privado cá do burgo para um consulta que tinha marcada para as 11:40. Como rapariga que gosta de cumprir religiosamente os horários, às 11:40 lá estava eu.
Primeiro passo: tirar uma senha com um número só para avisar que estou presente.
Pois esperei, pois lá me chamaram, pois lá me disseram que não era ali que me tinha de dirigir.
Pois que já lá fui uma dúzia de vezes e é sempre no mesmo sítio. Pois que sei que é impensável perguntar o que quer que seja sem ter uma senha na mão.
Lá fui para onde devia. 
Segundo passo: tirar outra senha. Não, a anterior já não servia.
Tinha onze pessoas à minha frente (só para avisarem que já chegaram) e até pensei que estava no meu dia de sorte. No mês passado só para ir mostrar os olhinhos tinha trinta à minha frente.
Terceiro passo: esperar.
E pronto, já não há quarto passo porque dali em diante foi só o que fiz.
A consulta marcada para as 11:40 aconteceu duas horas depois.

Duas horas numa sala de espera de um hospital dá, qualquer coisa, como dois  volumes dos Lusíadas de mau enredo. São histórias sem fim para contar aos netinhos.
Enquanto mais de vinte pessoas olhavam vidradas para um painel de números luminosos vermelhos (qual bingo!) à espera do seu número, seis auxiliares/administrativos/inúteis/desempregados em potência... conversavam animadamente entre eles sem que se ouvisse um "pip"para chamar um numerozinho ou um nome para ser atendido.
Toda a minha gente estava bastante divertida! Que bom! Haja alegria no trabalho.
Entretanto, os que pareciam mortos, começaram a sair das trevas e a questionar a demora nas chamadas e nas consultas.
Oh minha gente, mas que aborrecidos. 
Então vai-se interromper o recreio dos funcionários de um hospital privado?
Ganhem lá tacto, por favor.

A primeira indignada tinha consulta para a mesma especialidade que eu... às 10:30.
Disse: "Eu desisto da consulta. Já não aguento mais isto".
A senhora de farda responde: "Então deixe-me fazer a nota de devolução do valor da consulta".
A paciente: "Deixe estar. Prefiro perder o dinheiro do que estar mais um minuto à espera. Sou diabética, já devia ter comido e já nem estou a ver focado".
A senhora querida que recebe um ordenado: "Espero só mais um bocado que já só tem duas pessoas à sua frente".

Eu (em pensamento): Foda-se!

O segundo revoltado silêncioso, chegou com cuidado ao balcão e informa que já ali está desde as 10:50 para a consulta... há uma hora, portanto.
A senhora fofinha que vai para ali passar tempo atrás de uma recepção: "Pois, tem de ter paciencia. Isto está atrasado".
Ora bemmmmmm... O que o coitado não sabe é que lhe passaram à frente. Apesar da senhora da recepção nem ter feito contas de cabeça, chamou duas pessoas com horas marcadas depois do homem.
Cala-te boca que nem vale a pena iniciar um motim.

O terceiro a chegar-se à frente queria saber, tão simplesmente se tinha tempo de ir almoçar.
A epítome das recepcionistas responde: "Olhe que não sei se devia. Só tem oito pessoas à frente".
Ouvi alguém ao fundo da sala a desabafar: "Até dá para ir jantar".
Palmas para esta pessoa que era a única que estava a ver o mesmo filme que eu.

Entretanto, muda tudo.
São 13:00 em ponto.
Aquelas pessoas que cirandavam por ali de fardas sem autoridade tinham mais que fazer: almoçar.
Desapareceram todos num ápice.
Curioso como para irem almoçar são tão rigorosos com os horários.
(Conta até 10... respira fundo... e finge que vieste só ver o Você na Tv e a Nova Gente de Agosto).

Quarta pessoa a chegar-se à frente: Eu.
Não me dirigi à fofinha de meia-idade.
Dirigi-me ao rapazola com problemas de identidade sexual que me pareceu, de longe, melhor ouvinte para uma miúda de unhas pintadas como eu.
Eu: "Olhe, já sei que não vale a pena perguntar quantas pessoas tenho à frente porque é um grande segredo, venho apenas avisar que me está a dar um fanico de todo o tamanho, porque os meus diabetes já deviam ter almoçado há uma hora. Vou comer e já venho".
Querido/a: "Sim, sim, pode ir ao nosso bar lá em baixo".

Cheguei ao bar.
Opções para me alimentar: um donut, um mil-folhas, empadas.
Ahhhhhh, pois, isto é um bar de uma escola secundária.
Eu (em pensamento): Foda-se!

Voltei à sala de espera e em menos de nada sou, finalmente, chamada para a consulta.
Entrei e pensei que ainda estávamos numa de brincar ao Carnaval.
A médica apresentava-se de rolos na cabeça... e descalça...
Sim... isso mesmo.
Um blazer vermelho de botões dourados com um corte absolutamente anos 90 e maquilhagem aplicada por um doente terminal com Parkinson.
Tudo em bom.
Tudo e muito, só para mim.

Estive dois minutos na consulta.
Saí, fui à recepção marcar mais umas cenas e nova consulta e pedi, pelo amor de Deus, para não me aldrabarem novamente com as horas das consultas. 
Ao que a nova senhora recepcionista me diz: "Não se preocupe, às vezes, a Doutora chega a horas".

Eu (em pensamento): Foda-se!

Imagino se ainda perdesse tempo em casa a tirar os rolos, a calçar-se e a tomar os comprimidos para aquele estalo que tem na tola.


O resumo disto, cá para o meu raciocínio, é simples.
Lamento ter deixado de ir ao serviço público (que por estas horas anda às moscas) para ir parar a uma carruagem sobrelotada de vagabundagem algures na Índia.
Mas alguém fez com que isto fosse assim e não foi, de certeza, o gajo em quem votei.
Posso sempre voltar ao público?
Posso.
No dia em que se deixarem de merdas e me devolverem a vida e a liberdade que tinha há não mais que dois anos.
Até lá, é brincar aos pobres em hospitais de ricos.




10 comentários:

  1. Já apanhei secas de meia-noite quer no público quer no privado. A vontade no final foi sempre a de esganar alguém. O melhor mesmo é não ter nada para tratar.

    R.

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    1. Acho que desta é que terias aviado uma mini. De penalti.

      R.

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    2. Hoje tive de voltar lá... mais duas vezes!
      Ninguém merece.
      Podes crer que me lembrei da mini, da ganza e das putas...
      Bolas!
      Que novela sem fim.

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    1. E nem era o Canal.
      Era mesmo ao vivo e a cores.
      É inexplicável, mesmo!!!

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  3. Desculpa não ter lido o resto do post. A minha mente bloqueou no "Dêem-me tau-taus que eu gosto".

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    1. Ahahahah, divertiste-te mais assim.
      É o que o assunto só bate certo, de modo muito contorcido, com o texto.
      Antes assim.
      Foste poupado.

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  4. E eu pensava que isto só acontecia aqui.(Perdão pela ignorância, mas o que significa "taus-taus"? bjs

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  5. E eu pensava que isto só acontecia aqui no Brasil, varonil.Perdão pela ignorância (oh que preciso de um diconário, haja paciência comigo não é,dc?),mas o que significa "taus -taus"?

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    1. Querida Márcia, tau-tau é um expressão marota para dizer palmada, ou palmadinha.
      Daí a imagem ser um de uma bela palmadinha na bunda :)

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