15.10.14

O que nos salva não é o medo






O que me trava a vida é o medo.
Acabei de ter essa certeza.
Quem me pode salvar?


Deitei-me há uns vinte minutos e não consegui adormecer por sentir um tremor dentro de mim. Nada de novo, portanto. Nunca fico tranquila quando me deito. 
Comecei a procurar dentro dos meus pensamentos a razão para esta impaciência - exercício de máxima importância que faço há anos e que me ajuda em 90% dos casos - depois passei para o coração, fui vasculhar no estômago e lá pesquisei a garganta. 
Este exercício de pergunta-resposta tem-me mantido mental e emocionalmente estável. Tranquila, pelo menos. Quando me surgem os tremores no peito, sei sempre que tenho de fazer este exercício e só o terminar quando encontrar o local, a razão e a resolução para esses tremores. Prometi a mim mesma que só fecho a casa depois de a arrumar. Não me tenho dado mal com isso.
E não preciso procurar em muitos sítios dentro de mim para saber onde se dá a desarrumação. Há muito tempo que sei onde se acumulam as minhas angustias. Nunca é nos pés, nunca é nos olhos, nunca é boca. As minhas palpitações vêm sempre da cabeça, do coração, do estômago ou da garganta.
Durante muitos anos procurava a resposta ao meu desconforto interior no coração, porque era o peito que me doía. Tudo parecia vir do coração e, nalguns casos, talvez viesse mesmo. Hoje, quando encontro o problema no coração, sei que se trata de uma dor emocional e não de um problema ou de um conflito por resolver. Quando a razão para as minhas inquietações está alojada no coração, sei que só conseguirei encontrar tranquilidade conversando com alguém sobre o assunto. É o meu órgão da verbalização.
Depois tornou-se evidente que era no estômago que residiam todos os meus problemas. Dava-me aquele friozinho na barriga, vindo sabe-se lá de onde, e comecei, aos poucos, a compreender que frios na barriga são sinónimo de embaraços que não sei resolver ou que já é tarde para resolver. São muitas vezes situações constrangedoras ou mentirinhas de circunstância que sei serem inofensivas mas que me deixam um desconforto. Passa a ser um problema só meu. No fundo é isso: quando o problema está no estômago, quer dizer que já está apenas numa esfera privada e que, do mal o menos, nada há a resolver com terceiros. Quando encaixo isto sei que é tempo de os passar para a garganta e engolir. E basta-me detectar o motivo de me sentir incomodada para me sentir logo tranquilizada: fica o caso encerrado.
Ao realizar esta viagem ao meu interior, se diagnostico o problema na minha garganta, sei que o problema foi falar de menos ou de mais. Sobretudo falar de menos. Deixar coisas por dizer transtorna-me. Mais do que dizer muitas coisas erradas, não dizer algo quando devia gera-me desconforto. E fico a matutar naquilo. A inventar conversas na minha cabeça que não servem para nada a não ser massacrar-me: "E se eu tivesse dito...", "E se eu tivesse respondido...". Apenas quando concluo que não posso voltar atrás no tempo e dizer ou calar o que queria ou, em alternativa, que ainda está nas minhas mãos retomar as conversas passadas e acrescentar-lhes ou corrigir-lhes o que gostaria, é que encontro o equilíbrio. O pior é não encontrar a solução. Andar num labirinto sem encontrar uma saída é sinónimo de nós na garganta para sempre. Para me acalmar e me resolver comigo mesma ou encontro a saída ou desisto e assumo a derrota, mas tenho, necessariamente, de arquivar o caso.
Então e a cabeça? Quando é que os problemas estão na cabeça? E como é que se resolvem?
Quando me vasculho e chego à conclusão que o problema está preso na cabeça... sinto que não há solução. Ou melhor, poderá haver, mas a custo de muito sofrimento, de muitas mentiras dadas a mim mesma, de muitos compromissos anulados, e de muitas palavras-de-honra atiradas ao chão. É a luta que não quero ter: brigar contra mim mesma.
Se o problema já está na minha cabeça sei que foi o medo que o colocou lá. Quando sinto medo quebro. A pior coisa na minha vida é sentir medo. Porque este se instala na mente e a lógica é combatida por milhões de argumentos falaciosos mas pungentes. Daqueles que nos fazem questionar de nós próprios. 
Talvez seja a única pessoa que tem um inimigo dentro da sua própria cabeça mas pelo menos conheço-lhe o nome: chama-se medo. 

Esta noite, em que me deitei para não conseguir dormir, comecei o exercício de perceber o que se passava para me poder tranquilizar.
A conclusão foi simples, muito simples, e até pouco surpreendente.  Eu apenas não tinha querido ir ainda ao fundo da questão mas hoje decidi deixar de fugir. Não vou continuar a esconder que tenho um medo: tenho medo de dormir sozinha. De habitar uma casa sozinha. E isto faz-me de ter medo de, praticamente, tudo.
Faz-me ter medo dos barulhos, das luzes, das sombras, do silêncio, dos cheiros. Tenho medo de não conseguir escrever. De me expôr. de me relacionar. E tenho, sobretudo, medo de viver como uma mulher de trinta anos sozinha, presa a uma mente de vinte, com um corpo de quarenta a viver a vida de uma mulher de sessenta. E tenho medo que a vida seja só isto. Tenho medo de não conseguir reagir ou de, pelo menos, aceitar e arquivar o assunto.

Quando o medo se instala na cabeça dita-se apenas uma sentença de morte: a das nossas certezas.

E quem é que nos vem salvar de nós próprios?
Não será o medo, com certeza.
O que nos salva nunca pode ser o medo. O que nos salva é encontrarmos as respostas para os nossos desassossegos e encontrar a paz, algures, dentro de nós.

Lá consegui perceber o que se passava. E adormecer.


5 comentários:

  1. A minha mãe (lá por coisas da infãncia dela) dorme sempre com a luz acesa e a cabeça tapada, quando o meu pai não está.
    É um trauma.

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    1. Não lhe chamaria trauma mas também não sei que nome lhe dar.
      No ano passado entraram-me em casa enquanto eu dormia e, quando ouvi barulhos e me levantei, dei de caras com o intruso. Gritei tanto que ele fugiu mas, desde esse dia que receio que volte a acontecer.
      E dentro de mim sei que é esta a razão para ter medo de dormir sozinha mas não me consigo tranquilizar.

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  2. li estas palavras com muita atenção. essas fazes todas que relatas para tentares perceber o que se passa quando não consegues adormecer acontecem comigo tb, eu só ainda não tinha percebido em que lugares ficam instalados os meus problemas pq habitualmente começam no coração e quase sempre seguem para a minha cabeça e ficam lá. E eu tento arranjar tantas maneiras de os arrumar ali na minha cabeça mas ultimamente não consigo e sinto um cansaço tremendo ao ponto de desistir e deixar que esses problemas me consumam.
    Acabei por perceber que o maior medo que tenho é o de ficar sozinha, é ver sair os meus filhos de casa e eu ficar ali, sentada no sofá, prostrada em frente à TV sem ter com quem partilhar a minha vida. Eu tb me sinto como tu, uma mulher de 35 anos, a viver sozinha uma vida de uma mulher de 60 anos presa a uma mente de 20 e o pior é que tenho tanto medo de que este medo nunca me largue que não sei o que fazer.

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  3. Se eu tivesse uma resposta ou uma solução... adorava ter, mas não tenho.
    Acho que para pessoas como nós, que não conseguem tomar as rédeas da sua própria vida, resta-nos ver a vida a acontecer e esperar que ela nos veja com bons olhos e os traga algo de bom.
    Não me posso queixar mas espero que a vida, pelo menos, me deixe de pregar partidas. Para mim já era excelente.

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  4. A solução passa por nós, embora não saiba bem qual é. Durmo sempre com as persianas meio abertas para entrar alguma luz no quarto. Não gosto de dormir sozinha.

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