Nestes 153 dias longe do mundo não perdi tudo tudo tudo. Sei que ele continuou a rolar, certo?
Apesar de tudo ainda percebi que:
- Sim eu sei que o Trump ganhou as eleições, e sim tenho uma opinião talvez mais improvável que aquela que imaginam mas vou guardar para mim porque neste contexto em que me movo nunca, jamais, em tempo algum, me ouvirão falar de política.
- A Lua ficou mais próxima da terra, e mais brilhante e mais coiso, no dia 14 de Novembro, não foi? Mais coiso, talvez, de resto...
- Aquele rapaz, o Pedro Dias, que ao vigésimo nono dia - qual evangelho - se entregou às autoridades, não sabe, mas eu apostei as minhas fichas todas em como ele era inocente porque, para mim, já estava morto há que séculos. Aliás, eu apostava que ele tinha sido o primeiro a ser assassinado e que o estavam a usar como bote (não é bode, por amor de Deus, que já não se aguenta!) expiatório. Um Twin Peaks à portuguesa, não sei se estão a ver. Eu andava entusiasmada com a cena, até ao dia em que disseram que ele tinha sido visto num café em Espanha a pedir um bocadillo e um galão. Oh Pedro Dias, pá! A sério? Um galão?
- Também vi que o António Guterres é o novo secretário-geral da ONU (e arrepiei-me primeiro e só depois é que pensei sobre o que isso queria dizer, e depois senti-me estúpida por isso, e depois senti-me bem porque primeiro percebi que era estúpida mas ainda fui a tempo de deixar de o ser. António, espero que consigas fazer o mesmo com o resto do mundo).
- Vi que o nosso Presidente da República, em cumprimento do que já vem sendo uma tradição linguística nos nossos representantes de estado, tem um espanhol que upa upa com ele, e que o Durão Barroso... não devia ter ficado na minha memória de notícias sobre o país e o mundo.
- Constatei a morte de pessoas.
- Constatei o baby boom, pelo qual estou a passar ao lado.
- Tenho assistido atenta à questão do ordenado e declaração de rendimentos do futuro-ex-não-sabemos-o-que-te-fazer-administrador-da-CGD e gostava de saber do que é que andam a falar. É uma não-questão. Também ficariam surpreendidos sobre o que penso disto.
- Acho que houve muitas outras coisas que me terão despertado interesse, discreto e escondido, nestes 153 dias em que congelei a minha vida mas houve, certamente, um assunto que me fez ressuscitar: o Forte de Peniche.
Não, não e não! Em algum momento os interesses políticos, económicos, narcísicos, têm de ser postos de lado e alguém tem de travar estas pessoas que, cegamente, não se conseguem travar a si mesmas.
Eu não era nascida no 25 de Abril, portanto, não o era antes disso, e não estava cá na época em que o Forte de Peniche serviu de prisão. Mas ele está lá. Para quem o quiser ir ver. "Visitar", se preferirem a palavra mais ligeira. O Forte de Peniche é duro, e encerra dentro dele histórias pessoais aterradoras que ainda hoje transparecem, mas encerra nele, sobretudo, uma parte da história do nosso país que, apesar de nos (me) envergonhar, nos representa e completa a história do que fomos. Sim, também fomos aquilo.
Lembro-me de olhar para os fossos onde os prisioneiros eram colocados de castigo e imaginar que quando a maré subia eles ficavam ali... ali... no mar, em fossos, no frio. Porra. Eram homens a fazer isto a homens, há apenas sessenta anos. Aqui, em Portugal. Éramos nós, os nossos avós, a fazer isto uns aos outros. Julgamos que estamos longe de países de grandes ditaduras? Não estamos.
Ir até lá, estar lá, ver os documentos de identificação das pessoas que ali estiveram torna tudo demasiado real para pensarmos que já passou. Espero que não passe nunca. Somos todos nós ali.
Eu tinha 12 anos quando lá estive. Lembro-me de tudo.
Mais que enfiar um hotel de luxo que apague as torturas de que nos envergonhamos devemos usar o Forte de Peniche para ensinar todas as gerações porque é que hoje todos temos telefones, podemos comunicar livremente, temos dinheiro para ir ao cinema, andamos calçados e, sobretudo, podemos usar as palavras.
Caríssimos, houve gente que antes de nós fez por isso.
Alguns estiveram em Peniche, e não foi de férias, por isso dêem ao local e às pessoas a memória que eles merecem.
E acabo com o apontamento em modo "chata-que-dói" mas andava com isto de Peniche atravessado.
E eu daqui de longe. Leio-te e concordo contigo em tudo. Tudinho. Até com o Forte de Peniche. Visitei o local há pouco tempo, numa visita guiada minuciosa por um ex prisioneiro do Forte... e ouvi algumas das histórias, (até a da fuga) contadas por quem as viveu.
ResponderEliminarGosto de te ler. Nunca abandonei aqui o tasco.
que bom ter voltado a ser quem era.
ResponderEliminarainda bem que andava com o Forte de Peniche atravessado.
lamento os seus 153 dias. um abraço
maria
que bom ter voltado a ser quem era.
ResponderEliminarainda bem que andava com o Forte de Peniche atravessado.
lamento os seus 153 dias. um abraço
maria
153 dias depois, continuas tu. Isso é bom, pelo menos, ainda é bom ler-te.
ResponderEliminarBeijo, DC :)
Obrigada a todas por estarem, ainda, por aqui.
ResponderEliminarBeijinhos.