1.4.12

A grande mentira



O belo rabo que exibia debaixo das saias justas, e as longas pernas esculpidas que se erguiam num par de saltos altos, culminavam no decote generoso que lhe emoldurava os deliciosos lábios carnudos. Não era uma mulher, era a personificação da deusa que todos os homens queriam ter às suas ordens numa cama de pecados carnais. Era aquela mulher a quem os homens sonham chamar de puta, por estar tão longe de se parecer com uma mulher real.
As mulheres, essas - ressabiadas por não estarem nem perto de um dia virem a ser assim - olhavam-na de soslaio e com desconfiança. Ao contrário dos homens, que acreditavam ter sido abençoadas com a sua presença, a intuição feminina fazia-as sempre pensar: "Hmmm, será que...?"
As colegas de profissão sempre duvidaram de tanta beleza e perfeição e comentavam à boca grande que aquilo não era o que parecia. Era uma manta de retalhos de operações de aperfeiçoamento. E não era só inveja. Eram as dúvidas sobre que lado da barrica ela se deveria posicionar. Era também o receio da competição no trabalho. De perderem território para este monumento de mulher. Este puzzle de todas as mulheres perfeitas do mundo.
Punham sempre em causa que alguma mulher se fizesse assim apenas por vontade dos bons genes. Sabiam bem que mulheres assim não existem. Tal como ela sabia. Tal como ela, bem lá no fundo, sabia que a natureza não quis que nascesse assim. Sabia-o tão bem que se sujeitou às mais diversas transformações até se fazer perfeita. Tão perfeita como a mentira onde cresceu. A mesma mentira com que se tinha de deitar todas as noites. A mesma mentira com que sustentava a sua vida.
Quando voltava do trabalho, ao fim da noite, quando esta se misturava com o início da madrugada, sabia bem que o que tinha vendido não era o corpo de bela mulher que todos viam. Também ele era um misto de noite e madrugada. Também ele nascera de uma forma para se transformar noutra. Também ele desejava que, um dia, a mesma transição da noite para o dia se desse em si. Naquele corpo que não pediu para ter. Enganou alguns homens que lhe encostavam o carro às coxas, por pensarem ter ganho a queca da vida deles a troco de umas porcas notas. Pensavam que levavam consigo um par de pernas para abrir e comer, quando mais tarde percebiam que, afinal, havia algo mais de inesperado. Enganou uns quantos e satisfez muitos outros, que agradeceram o engano de pagar a uma mulher e afinal terem um homem.
A grande mentira em que viveu foi a alegria de uns e o vómito de outros. A mentira em que viveu só o era porque, algures no seu corpo, uma das peças não encaixava. Porque a natureza quis brincar à cabra cega com a genética e o destino. Porque entre as suas pernas teimava em existir um corpo estranho à sua vontade.




7 comentários:

  1. Uma realidade, uma verdade, um transviver, um atravessamento...

    Gostei imenso. Parabéns!

    Raul

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  2. Perfeito!
    para mim um texto de "grande verdade"
    Parabéns.

    Beijos
    Cabra Branca

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  3. Gostei imenso!! As vezes a mentira pode ser uma grande verdade.A realidade nunca é realmente aquilo que aparenta! bj

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  4. Concordamos todos. Nos dia das mentiras, acabei por falar mesmo de uma grande verdade!
    Obrigada a todos pela visita e pelos comentários.

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  5. Existe uma linha tão tenue entre a mentira e a verdade
    Adorei o teu blog e estou a seguir
    Gosto do teu blog, tenho um post novo no meu e uma sondagem bem interessante. Passa por lá vota e comenta o novo post.
    Beijos charmosos

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    Respostas
    1. Bloguezinho malandro, o teu!
      Gostei... Só lhe falta uma Miss Évora ;)
      Bj

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  6. A Verdade da Mentira ;)

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