12.9.13

Ainda sobre as tulipas







"(...) plante os bolbos num novo vaso, com terra vegetal humedecida, sem que esteja encharcada. Embrulhe o vaso assim preparado num plástico e guarde-o no congelador da geladeira durante cerca de 6 meses, a uma temperatura ideal entre 2 e 5 °C.  Passado esse tempo, retire o vaso da geladeira e coloque-o num local fresco e com boa luminosidade por mais 2 meses, mantendo a terra sempre húmida.  Após esse procedimento, o vaso novamente embrulhado em plástico deve retornar ao congelador, onde deve permanecer por mais 6 meses. 
Concluída esta etapa, o vaso deverá ser colocado num local iluminado: 
a tulipa deverá florescer num período entre trinta a cinquenta dias."





Ontem, na origem do "Tulipas como bebés indesejados", escrito em conjunto com o Le Baladeur, esteve a conversa sobre uns bolbos de tulipas que comprei para plantar.
Comprei sem saber os cuidados necessários, na certeza de que uma planta cresce e sobrevive sem grande vigilância e cuidado. Enganei-me.
Ao ler um manual de cultivo de tulipas, nasceram em mim todas as duvidas sobre a minha capacidade para fazer crescer tão delicada forma de vida. Serei eu capaz de fazer nascer alguma coisa? E se nascer, terei meios para a fazer desenvolver-se de forma saudável, feliz?
Com o avançar da tomada de consciência sobre isto que é dar vida, agudizaram-se os sentimentos da minha inaptidão e imoralidade para decidir dar, ou não dar, vida ao que seja.
Li, reli, e pensei muito sobre o verdadeiro interesse que eu poderia ter em fazer germinar uma flor. E depois? Que se segue? Água e Sol para o resto da vida? Apenas isso? Com que propósito? E quanto dura a sua vida? Qual a proporção dos meses de gestação para o seu tempo útil de vida?
Quebraram-se em mim todas as certezas. A compra por capricho, por impulso de decorar um ambiente, quedaram-se ao perceber que a minha vontade interferia com a da natureza. Que estava ali, nas minhas mãos, a decisão de fazer, ou não fazer, nascer vida.
Quanto mais lia, em mais duvidas me afundava.
Apenas uma flor e tantos conflitos.
Apenas uma flor e tantos cuidados.
Será que trato com os mesmos cuidados, a vida dos outros e até a minha?
Que terei eu a aprender com a vida de uma tulipa, desde que decido dar-lhe vida até ela decidir morrer?
Não é assim com todos os humanos?
Não decidem por nós quando devemos nascer e não somos nós que temos a liberdade de decidir morrer?

Estranha vida esta, a de uma flor que demora tanto para nascer mas morre num ápice.
Estranha vida a nossa, que demora tão pouco a formar-se mas demora uma eternidade para nos ver apodrecer.

O bolbo tem de estar acima dos 10 cm da base do vaso mas não mais abaixo que 15 cm da superfície.
Tem de estar uns tempos numa incubadora de frio, embrulhado, com todo o zelo.
Tem de ter humidade mas não estar encharcado em água. Há quem aconselhe substituir a rega por cubos de gelo, para uma rega lenta e fria.
Quando brotar, e empurrar com força a terra que tem sobre si, deverá ver o Sol mas sem contacto com o calor.
Fantástica esta luta pela vida de uma modesta tulipa.Uma criatura que se faz vingar no frio. No ambiente mais penoso à vida mas que vive. Vive vigorosa.Cumpre o seu ciclo.
Nasce. Vive. Morre.
Como nós.
Em menos de nada, morre. Em menos tempo do que aquele que, justamente, deveríamos ter para lhe prestar admiração. Morre ainda jovem, por ter idade de ser velha.
Meses de luta no frio que acabam na secura de um deserto.
Tudo isto para nascer e morrer num ápice.
Nasce em Abril. Morre logo em Maio.
"Morreste no último dia de Maio", constatou Le Baladeur.

Não deveria ser assim connosco?
Nascermos a saber o dia em que vamos morrer?





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