6.3.14

Não era teu



Lembras-te daquele filho que me fizeste matar?
Não era teu.
Foste pai e carrasco de algo que não era teu.
De alguém.
Que não era teu.
No dia em que te interrompi o sossego, com palavras aflitas de quem sabia o que esperar, decidiste o destino só com o olhar.
Sem palavras. Emoções.
Disseste não a algo que não era teu.
A decisão.
A decisão não era tua.
Mas atordoada pela descoberta, aturdida pelo teu desamor, depositei-te a boa-nova que havias de matar.
Fosse hoje e não o teria feito.
Ter-te-ia abandonado à tua solidão.
Aos teus pensamentos intempestivos.
Teria agarrado em mim, naquele filho que não era teu, e teria corrido para a verdade.
Não lhe conhecia o pai, pois não.
Que importava isso?
Teria corrido com o filho que mataste, ainda vivo, dentro de mim.
Tê-lo-ia protegido.
Estaria vivo.
E eu também.
Mas fiquei parada a ver-te decidir com o olhar.
Decidiste por mim.
E eu deixei.
Era o medo.
O medo de te dizer que este filho nunca poderia ter sido teu.
Não era teu.
O medo de te perder, também.
E de me perder logo depois, quando me visse sem ti.
Porque este filho que me mataste não era teu.
Pois não.

Mas eu desejei muito que fosse.



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