«Poesia como forma de colocar a afectividade em modo de pensar e o pensamento em modo de afectividade.
Como se o sentir pudesse ser mansamente dimunuido (ou aumentado) de forma a que não chegue ao grito, mas sim à sensata observação.
Sentir para perceber melhor, não para gritar melhor.
Ironia, portanto, como modo de diminuir o disforme que há no grito e na excitação; dor e prazer transformados em verso que, dois metros acima desse solo que dói e tem prazer, diz: ali em baixo dói-me e tenho prazer, porém eu, aqui, enquanto verso, estou dois metros acima (pelo menos).
Eis a ironia: o verso está a uma distância segura dessa vida sempre inseguríssima e por vezes parva - outras vezes excelentíssima, mas sempre incontrolável. Ou talvez até isto: uma elegante forma de sobrevoar as palavras no exacto momento em que elas são ditas; o humano é, apesar de tudo, maior, mais alto e mais largo do que as palavras - eis o que diz a linguagem que utiliza a ironia.»
Gonçalo M. Tavares in Visão (n.º 1106) sobre a poesia de Vasco Graça Moura
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