28.1.14

O homem das calças curtas




O homem das calças curtas, era altivo, sobranceiro e arrogante. 
Olhava as mulheres de cima, porque as mulheres não lhe mereciam elevação. Talvez se permitisse ter pensamentos subtis, mas pouco honestos, sobre aquelas que apresentavam andar confiante e nariz afiado. Pelo confronto. Pelo desafio. Por serem as mulheres que a mulher dele nunca haveria de ser. 
Com os homens, tornava-se estranhamente submisso, como um cão, porque tinha as calças curtas (e dentro de si sabia-o). Elogiava sempre as calças dos outros, mesmo sabendo que os outros não lhe poderiam retribuir o elogio. Aparentava não se importar mas definhava por dentro. Não se sentia confiante perto dos outros homens que usavam calças à medida, e a culpa morria-lhe em cima por saber que nada fez para isso mudar. Preferia o servilismo à afirmação, mesmo não se dando conta disso. Nunca haveria de passar de um fraco de calças curtas que apenas em saias sabia mandar. Era o que se dava por contente de ser. Era uma triste falta de ambição.
Pontualmente, os mais atentos, bem viam como se movimentava, falsamente, de coluna hirta mas deixando germinar, dentro de si, uma semente de incertezas. Andar firme, palavra assertiva, mas calças curtas e alma desconcertada. A insegurança que se espalhava dentro de si, como um lamaçal sobre campos empapados, teimava em invadir-lhe a mente e a encurtar-lhe as pernas. E havia mesmo quem reparasse, apesar de ele jurar em pensamentos, que não.

O homem das calças curtas estava tão longe de entender que tinha as calças demasiado curtas que, no dia em que se decidiu a olhar ao espelho, já não se encontra em si, nem nas calças, nem a si dentro das calças. Perdera-se tanto na contemplação dos outros que, no dia em que se olhou, é que entendeu que as calças, que em tempo lhe estiveram boas, agora lhe começavam a escassear. Sobravam-lhe os lados, fugiam-lhe as bainhas. Aquelas calças já não eram suas ou, pelo menos, já não eram para si. Há momentos em que um homem o deveria perceber sem que alguém lho tenha de dizer. Maldito o tempo que esgotou a olhar para os outros em vez de olhar para si e de perceber que aquelas calças há muito que estavam curtas.
Assombrado com a descoberta, a contorcer-se contra as suas próprias memórias e crenças, confrontou-se uma vez mais com a sua imagem no espelho. Estupefacto viu: As calças já não eram mais que uns meros calções. Ainda se debateu, mentalizando-se que, o que via, eram apenas umas calças muito, muito, curtas. Demorou a aceitar que não passavam de uns calções e que há muito que, o que tentava esconder, estava já exposto aos olhos de todos. Há muito que aqueles calções estavam longe daqueles tempos áureos em que soube usar umas calças decentes.

Num fugaz momento de lucidez, questionou-se: "Nunca terei sentido o frio a fustigar-me as pernas ou terei preferido viver na ilusão de um conforto que há muito deixou de existir?".

Este pensamento ocorreu-lhe tarde demais. 
Quando, finalmente, se deu conta, já nem a dignidade tinha para se cobrir. 



2 comentários:

  1. E ainda há aqueles que criticam de boca cheia e "ÁGUA NA BOCA" o homem de calças curtas, mas no fundo o que adoram é que eles ficam a desfilar as pernas e depois disser-lhes a toda a gente ; Sim , Sim aquele calça curta "É UM VULGAR SEM MORAL", e no interior dizer realmente umas coxas gostosas,mas era um vulgar e sem moral!
    Mmmmms, é melhor olhar o defeito do outro do que reparar no meu, pois talvez encontro no outro aquilo que ele tem coragem de ser e sem medo, coisa que muito não são capazes de ser!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Pior que andar de calças curtas é viver de opiniões alheias, ou montar um cenário de palco movido pelos outros e para outros assistirem a peça. Que diga-se lá de passagem, é uma peça em decadência total..
    Enfim, a grama do vizinho ta grande e a minha a cobrir todo o quintal, mas deixe a minha pra mais um dia , vou falar da grama do vizinho que é mais prazeroso!

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    1. Nem percebi se gostou, não gostou, se concordou ou não concordou com a moral da história.
      Mas parece zangado.
      Está zangado?

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