17.2.15

Do vinho (II)

José Malhoa


Agora que o vinho já me aqueceu as miúdezas e graúdezas algures no peito e na garganta, vejo as coisas com uma estranha clareza. 
Afinal, isto de levantar e baixar um copo fica mais fácil conforme o avanço que se vai dando no néctar. E não, não é do peso que este faz no copo. Parece-me, e poderei estar errada, que o que acontece é que o peso passa a ser uma coisa relativa, secundária até. Pois vejamos: antes de beber o cálice, assim de uma assentada, pesava-me um mundo nas costas e, como as costas comandam as mãos e os pensamentos, pesava-me tudo muito. Pegar no copo, era pois, um sacrifício tremendo para quem ainda não tinha qualquer aquecimento.
Pois digo-vos eu que, depois do segundo copo cheio, é seguro afirmar que o primeiro copo era bem mais pesado que este. E que este copo é bem mais leve, independentemente, do número de vezes que o tenha de pegar e largar. Bem vistas as coisas, e sem precisar de teorizar muito sobre o assunto, posso garantir-vos que não era a quantidade de líquido que me cansava os movimentos mas sim o tamanho do incentivo. Da falta de incentivo.
Agora que termino o segundo copo, já nem me aguento para ver o que acontece com o terceiro. O Nirvana, o céu, uma matança de porco algures no Minho. Com certeza que a iluminação será diferente e, certamente, mais leve e terna. O peso do copo passa a ser uma coisa relativa, secundária até, e o bem-estar da alma engrandece-se e, no mundo das almas, nada tem o peso que damos a esta vida.



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