8.1.14

Dentro mim estou só




Meto-me na cama.
São 20:45.

Entrei em casa cedo.
O cheiro da humidade recebeu-me.
Não aguento mais entrar nesta casa só.
A casa só.
Eu só.
Ambas às escuras.

Finjo um jantar.
Olho a roupa por secar.
Não me importa.
Tiro as botas pesadas e dispo as calças.
Só as calças.
Neste peito sinto frio.
Empurro coisas para parecer que as arrumo.

Procuro o sofá mas preciso da cama.
É cedo.
Aguento-me não sei em nome de quê.
Mudo os canais.
Ligo a net.
Procuro coisas que não conheço.
Não encontro nada.

Releio cartas.
Vejo fotografias.
Relembro algumas histórias.
Viajo até um passado longínquo.
Regresso a um passado recente.
Não me encontro em nenhum deles.
Não sou eu.

Percebo quantas vidas já tive dentro de mim.
Vi-me feliz e na mais pura das misérias.
Encontrei aquela pessoa que queria ser hoje mas não sou.
Passei por aquela que só queria agradar aos outros.
Relembrei a pessoa triste que não gosta de si.
Vi muitas pessoas dentro da mesma cabeça.
Não sei que é feito de mim.

Entro em casa e sinto-me só.
São 20:45.
Estou na cama  porque não encontrei outro caminho até mim.



7 comentários:

  1. Hoje (ontem e talvez amanhã) sinto-me assim...! Há certos dias que quando venho ao teu blog é como se navegasse em mim própria! Obrigada pela escrita, melhor... pela partilha!
    Bjs
    Vanessa Semedo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Vanessa, Vanessa...
      Que egoísta sou.
      Escrevo e partilho por ser egoísta.
      Para, de algum modo, acabar por receber a companhia que acabou de me fazer.
      E por isso, eu é que agradeço.
      Um beijinho.

      Eliminar
  2. Adoro o que escreves porque se percebe que sentes ainda melhor do que escreves. Pena que se sinta tão bem coisas que não nos fazem sentir bem, mas quem lê agradece (também é egoísta, mas é verdade...). Será que um dia nos encontramos em nós?, ou vamo-nos perdendo para nos irmos descobrindo?... acho que é por estas e por outras que detesto a expressão das pessoas "serem bem resolvidas", resolvido está o que está concluído, e parece-me que se a meio do caminho (já) nos concluímos não ganhamos nada, pelo contrário.
    Boa Noite.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pela hora deste comentário ontem, vejo que coincidiu com a pergunta/comentário que me fizeram: "Mas explica lá o que é que tens".
      Ao que eu respondi: "Não sei explicar. Não sei bem verbalizar".
      Ao que ouvi: "Ui, deve ser mesmo grave para nem tu encontrares as palavras certas".

      Eva, só aqui entre nós, as palavras eram estas que tinha acabado de escrever, mas é tão mais difícil falá-las.
      Sentir nunca foi o meu problema - sinto demais - o medo está em dizer as coisas em voz alta.

      Bjs

      Eliminar
  3. Faço um jantar em minha casa no sábado com os amigos. O petisco é cataplana de carne com mariscos, e caril (que eu adoro sem picante). Também tenho azeitonas retalhadas e queijo de Nisa.
    Tenho muito gosto em recebê-lo.
    A minha casa é gelada e também tenho uma catrefada de roupa a secar dentro do escritório, (o que me dá cabo dos precisosos livros).
    Posso, no caso de estar longe, oferecer-lhe um sacoi de água quente, que é o que me salva quando vou para a cama sozinha.
    Posso guardar uma fatia de bolo, se lhe aquecer a alma.
    Se preferir medronho, também tenho.
    Sirva-se!
    Não fique para aí sozinho.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Este seu convite deu-me vontade de sorrir.
      Primeiro, porque é afável, generoso e honesto. Percebe-se no ritmo da escrita.
      Depois porque gosto de caril, queijo de Nisa e azeitonas retalhadas. Suspeito até que possamos viver perto.
      Mas o que me fez mesmo sorrir foi a ideia de que eu poderei ser um homem.
      Note que não é sarcasmo nem maldade: só lamento não ser, de facto, homem.
      Mas, por outro lado, acredito que o convite não seria diferente só porque sou mulher.

      Agradeço o convite, a companhia, o sorriso e a água na boca (lá terei de ir desenrascar um caril para o jantar).

      Eliminar
  4. A solidão é uma coisa que só existe por dentro, não é mitigada pela companhia. Decorre, creio, de gostarmos ou não de estar apenas connosco. E de haver ou não alguém que more dentro de nós, esteja ao pé ou não. Mas ninguém nos consegue fazer gostar da nossa propria companhia - e há quem goste naturalmente, mas há quem tenha de aprender a gostar de si tal como é - ou mudar e passar a ser uma pessoa de quem consiga gostar. (been there. done that. sei do que estou a falar. pensa nisto, a sério.)

    ResponderEliminar